sexta-feira, 30 de abril de 2004




...*...

na medida justa do silêncio
se constrói o lugar da palavra
templo ou substância
— ardendo sob o sol.



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posted by saturnine | 23:00 | 0 Comentários


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quinta-feira, 29 de abril de 2004




:: regular as clockworks ::


amanhã hei-de pagar caro este excesso, serão os meus ombros, as minhas pálpebras, a suportar o peso da minha insensatez.



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posted by saturnine | 01:44 | 0 Comentários


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HADES


é assim a cartografia do Mundo Subterrâneo, o caminho para os Infernos:





agora, é só não esquecer o caminho.



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posted by saturnine | 01:37 |


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:: post-scriptum ::


Era preciso escrever, mesmo apesar do cansaço, e da pesada fibra nocturna da penumbra. Escrever para resgatar o tempo que passa, os momentos que adiei para depois, escrever como quem procura salvar alguma coisa, sabendo bem — como Duras — que a escrita não salva de coisa nenhuma. E é verdade que os dias de sol não servem para escrever, aprendemos a guardar as palavras na margem da boca, para depois, porque a primeira urgência é apenas fruir do lento ardor do solo. Por isso se guarda este ofício para as noites, quando as sombras se abeiram da insónia, mesmo quando não há medo, mesmo quando há só silêncio pacífico. Respiro o azul-negro das horas tardias já em pressentimento do verão, a partir de agora sei que a minha estação está próxima e que em breve desenrolarei os membros entorpecidos, como asas guardadas pelo inverno. Acontece que voltei a ver com frequência o rosto diluído da mulher junto ao cais, o seu vestido branco ondulando ao sabor do vento, e sei que naquele ar há um perfume de magnólias. O mar está próximo, e sei que se caminhar, se a vir dar um passo, há-de ir pelo meio das ruas estreitas de uma vila pequena em direcção à praia, onde os muros brancos de cal ardem sobre o sol, e os amantes que passam descansam o medo à sombra das amoreiras.



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segunda-feira, 26 de abril de 2004



:: da singularidade da arte ::


«Na origem da beleza está unicamente a ferida, singular, diferente para cada qual, escondida ou visível, que todos os homens guardam dentro de si, preservada, e onde se refugiam ao pretenderem trocar o mundo por uma solidão temporária mas profunda. Fora de miserabilismos. A arte de Giacometti parece querer revelar essa ferida secreta dos seres e das coisas, para que ela os ilumine.

(...)

Graças a deus nem tudo é explicável e eu não vejo muito claramente a ligação, mas pressinto-a.»


Jean Genet | O Estúdio de Alberto Giacometti



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neste livro pressente-se, para além de um profundo sentido de terna (e por vezes reverente) amizade de Genet para com Giacometti, a paixão esmagadora que só a contemplação das suas esculturas desperta. este livro deveria ser de leitura obrigatória nas escolas.





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:: elogio do ar livre :


Abre a porta e caminha
Cá fora
Na nitidez salina do real


Sophia de Mello Breyner Andresen | Cá fora
Junho de 1994, Musa




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:: canícula ::


Há ainda o cansaço, apensar da canícula, ou se calhar por isso mesmo, nos olhos pesando as pálpebras, a fecharem-se como conchas, uma sugestão de tempo imóvel na vontade de deixar descair o corpo até ao chão, não render-me a nada senão à alegria sob o sol.



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domingo, 25 de abril de 2004



25 DE ABRIL





Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo


Sophia de Mello Breyner Andresen


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é verdade que não nasci a tempo de ir para as ruas de Abril com cravos vermelhos na mão. mas hoje, abrindo as janelas de par em par para entrar o sol, no próprio ar se respira uma intuição de liberdade. de longe chegam ecos de música, de comemoração. se não posso falar de história, que ao menos o meu coração não seja alheio à memória.




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sexta-feira, 23 de abril de 2004



:: última hora :




o primeiro girassol cá de casa já me chega à cintura.
é um bom prenúncio. o senhor do horto falava a verdade,
ele há-de crescer até ser maior do que eu.



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:: the caterpillar ::




há quem ache estranho
este meu sonho de infância
de conduzir um caterpillar.







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:: he who controls the spice, controls the universe ::




para ouvir :: spice (god's mix) | aphrodite



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quinta-feira, 22 de abril de 2004



:: we have just folded space from Ix ::





Gravity Probe B sports the world's most spherical gyroscopes. (...) They are the most spherical objects in the universe, aside from neutron stars.
GP-B is among the most thoroughly researched programs ever undertaken by NASA. GP-B will measure two parts of Einstein's general theory of relativity by assessing how the presence of Earth warps space and time, and how Earth's rotation drags space and time.



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Gravity Probe B is the relativity gyroscope experiment being developed by NASA and Stanford University to test two extraordinary, unverified predictions of Albert Einstein's general theory of relativity.
The experiment will check, very precisely, tiny changes in the direction of spin of four gyroscopes contained in an Earth satellite orbiting at 400-mile altitude directly over the poles. So free are the gyroscopes from disturbance that they will provide an almost perfect space-time reference system*. They will measure how space and time are warped by the presence of the Earth, and, more profoundly, how the Earth's rotation drags space-time around with it. These effects, though small for the Earth, have far-reaching implications for the nature of matter and the structure of the Universe.


* Space-time is a four dimensional description of the universe that includes the usual three dimensions of height, width and length and a fourth dimension of time.




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:: jangada de pedra ::


«Mas nem tudo são espinhos, existem também rosas de caule firme, dotadas das respectivas pétalas sedosas, sem esquecer as gotículas de orvalho! Vai ser revogada a lei que, em Espanha, conferia carácter obrigatório ao ensino da religião, e que a equiparava às demais disciplinas. Uma pitada de bom senso desce sobre a península ibérica, impregnando o ar de um perfume agradável e bem-vindo.»

Alexandre Andrade



e nós? quanto mais tempo teremos que regredir até à humilhante imposição do Deus, Pátria e Família, até que em alguém desperte a adormecida alma de marinheiro, e nos apercebamos que Portugal está a flutuar à deriva, cada vez mais longe da nova Europa?



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quarta-feira, 21 de abril de 2004



:: quiet night of quiet stars ::




Keith Jarrett | The melody at night, with you



«Mas eu, é verdade, não confundo tristeza e silêncio, nem sou da noite, que é de todos os lugares o deste disco, ausente.» | A.




chegou a minha vez. não tinha ouvido ainda este disco porque não poderia ter ouvido este disco sem antes me sentar com o exclusivo propósito de o ouvir. e não é triste — é assombroso. tranquilo, pede-nos o descanso dos sentidos todos. é verdade que agora escrevo, e ele está a tocar, mas escrevo como se não estivesse aqui, mas antes no chão da sala de A., quieta, em branda reverência, a compreender a nudez desta música — a beleza quase intangível, muito muito próxima do silêncio.



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:: música para uma noite sem estrelas ::


the girl from ipanema | joão gilberto & astrud gilberto *
blame it on my mouth - meditation | keith jarrett *
blue danube waltz | johann strauss *




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:: preparação ::


O pátio está silencioso ao fim da tarde. Circundado por vastos cachos de rododendros e jasmim, que emergem da cal dos muros, é o lugar exacto do sol na hora do poente. Do outro lado, a estrada negra e deserta. Nenhum ruído perturba a quietude da cena. Nenhuma voz atravessa a cidade até à praia. Lentamente, adensa-se a penumbra — quase táctil — e azulam-se as sombras, em breve a noite riscará de negros contornos os corpos que se passeiam à beira-mar. Neste silêncio, amplo e imóvel, se acontece o medo é só porque alguns olhos, adentrando a escuridão, se parecem com estrelas longínquas.



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:: música para o dia de hoje ::


bag lady | erykah badu *
mediterranean falls | dj ss *
distractions | zero 7 *
destiny | zero 7 *
high noon | kruder & dorfmeister *
spellbound | kruder & dorfmeister *
thin line | jurassic 5 *
if you only knew | jurassic 5 *
el capitalismo foraneo | gotan project *
sand river | beth gibbons & rustin man *
finally we are no one | múm *




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segunda-feira, 19 de abril de 2004




:: praia da amoreira ::


1
só uma sombra negra
denuncia junto à praia
o hálito fresco das amoreiras



2
a luz arde nas pálpebras
a claridade lisa como um espelho
talvez o sal de tão vasto mar



3
ao meio-dia
a estrada ferve e nós silenciamos
o ardor das feridas.




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:: meio-dia ::


Tenho as primerias páginas rascunhadas daquela história à espera, possivelmente, de uma luz maior, ou de um verão mais doloroso, para que arrancar à brancura do silêncio as palavras agudas da ausência fosse, enfim, tarefa mais fácil.
Estamos imóveis perante a paisagem suspensa, é meio-dia queimando sobre o areal, os passos ardem sobre o espaço vasto. Não há uma erva que se mova, o próprio vento não se precipita para o céu deserto. A luz arde nas pálpebras, de muito contemplarem o mar ao longe. Há um carro parado na beira a estrada, um homem a olha, escavada na terra ígnea das planícies. Ao seu lado, uma mulher enverga uma camisola branca.




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:: peço desculpa pela inconveniência ::
   (ou aliás, não peço nada)


confesso que não entendo. tenho um ano de blogoesfera. não é muito, mas também não é pouco. e neste tempo todo, confesso que nunca entendi. que justificação poderia haver para se alimentarem over and over and over despiques de gajas? que necessidade teremos, afinal, de estar sempre a afirmar o que nos é indiferente? não bastaria o silêncio? talvez haja um ponto em que o exibicionismo deixe de ser gracioso. mas que sei eu afinal?



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MY GOD! IT'S FULL OF STARS...





- Dr. Chandra, will I dream?
- I don't know...

(I'm afraid)




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sábado, 17 de abril de 2004



:: lugar comum ::


Se me mantenho silenciosa é por aproximação para com as árvores. Compreender que se as mãos se afundam na terra negra é em busca de raízes, e se o húmus vem agarrado às unhas no regresso, é para dele se constituir alimento. Permaneço aqui, no lugar desta tarde incerta, aguardando um murmúrio — de folhagens ou de deuses —, um sopro, que já não me fale da noite longa, mas do canto do vento nos milheirais. Semelhante à memória imóvel é o caminho até à praia, queimado de mudos passos, ardendo sob o sol.



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:: two times two ::



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porquê morrer?
se até as aves                        fazem ninho sobre o mar
se já a claridade invade           os cantos vazios da casa
se no silêncio das tardes          a própria ferida
se torna matéria solar

concede às palavras                 o ânimo inspirado
de circundarem as sombras       rente aos muros

diz-me —
— se até das cinzas se fabrica o pão
porquê morrer?



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posted by saturnine | 10:31 |


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aqui cheguei após longo caminho, e depus sob o sol as durezas do inverno.


quando chega esta altura do ano, quando Maio se precipita, não abanono só os casacos, abandono toda a ferida do frio, ao despir-me das lãs dispo-me do inverno inteiro. é tempo de arejar a casa, abrir as janelas. enquanto uns guardam as roupas quentes e retiram dos armários as roupas frescas, eu faço o mesmo com os livros. é tempo de guardar Al Berto, Dostoievski, Daniel Faria, para que repousem numa silenciosa hibernação, tempo de trazer à luz das tardes nas varandas Sophia de Mello Breyner, Marguerite Duras, Eugénio de Andrade. afastem de mim as vozes escuras do abismo. agora é tempo de palavras brancas, alimentadas de claridade, de celebração de vida.



Luminosos os dias abolidos
Quando o meio-dia inclinava a sombra das colunas
E o azul do céu tomava em si a terra
Apaziguada no murmúrio
Das folhagens e dos deuses.


Sophia de Mello Breyner Andresen | Luminosos os dias



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sexta-feira, 16 de abril de 2004




:: regresso ::

de coração magoado       então
Ulisses se demora

estranho o tardio entedimento       como
o leve torpor de um longo sono

compreender na distância —
— pássaro ferido
não se aventura a sobrevoar
                     o mar imenso.



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quarta-feira, 14 de abril de 2004




:: essa é que é essa ::


estranhamente, não me apercebo que a perfeição não existe no desastre, na perda, no desencontro, na infelicidade de amor, nos rostos enrugados ou nas pernas gordas.
antes, assalta-me a certeza inexorável de que não há, não pode haver, perfeição, quando simplesmente ando no supermercado à procura de um frasco para condimentos que não esteja danificado, com defeito de origem, esteticamente mal resolvido.



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segunda-feira, 12 de abril de 2004



MODO: redundância


Não quero morrer não quero
apodrecer no poema
que o cadáver de minhas tardes
não venha feder em tua manhã feliz
                        e o lume
que tua boca acenda acaso das palavras
- ainda que nascido da morte -
                       some-se aos outros fogos do dia
                       aos barulhos da casa e da avenida
                       no presente veloz 

Nada que se pareça
a pássaro empalhado, múmia
de flor
dentro do livro
                        e o que da noite volte
volte em chamas
         ou em chaga 

         vertiginosamente como o jasmim
que num lampejo só
ilumina a cidade inteira


Ferreira Gullar | Arte Poética



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Todo poema é feito de ar
apenas:
            a mão do poeta
            não rasga a madeira
            não fere
                         o metal
                         a pedra
            não tinge de azul
            os dedos
            quando escreve manhã
            ou brisa
            ou blusa
                         de mulher. 

O poema
é sem matéria palpável
           tudo
           o que há nele
           é barulho
                      quando rumoreja
                       ao sopro da leitura.

Ferreira Gullar | Barulho



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para ouvir os poemas na voz do próprio Ferreira Gullar.



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:: das horas mansas
    dos lugares silenciosos ::


rente aos muros          a claridade
irrompe pelas janelas
um quadrado azul          recorta
o silêncio interior

— da mesma substância da luz
uma moradia de palavras
habitada de contornos negros —

um canto subitamente feito claro
                             o odor antigo
                             do jasmim
                             da madeira
                             repousa na quietude das horas
                                                                  da tarde.



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:: moradia ::


no verão passado, interrogávamo-nos sobre a nossa chegada aqui, sobre a natureza dos weblogs (nunca cederei à deturpação do pindérico blogue), sobre a nossa vontade de escrita, sobre o que nos fazia estar aqui. eu lembro-me de pensar nisto como uma casa de férias, onde viria de vez em quando, repousar a vista cansada das urbes cheias de movimento frenético. o pequeno apartamento imaginado acabou converter-se numa autêntica moradia, que nunca mais abandonei desde então, porque encontrei aqui a medida justa das minhas aspirações. aqui dentro, mesmo se não é verão, mesmo o que dói e o que está frio, estão próximos da ternura. de tudo o que escrevo faço ferida, arrancando as palavras à matéria do silêncio, e à distância nutro afecto pela memória dessas feridas, se graças a elas me deitei numa noite longa sobre cinzas, aguardando o regresso da luz prometida.


«(...) consolemo-nos das nossas amargas mágoas, fazendo-as vir à lembrança! As próprias provações têm uma certa doçura para o homem que muito sofreu, muito vagueou.»

fala de Eumeu a Ulisses, disfarçado de mendigo
Odisseia | Homero




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MODO: celebração


é este o mais significativo sinal de que a primavera chega: os dias agrestes dão lugar a uma melíflua tranquilidade. sob a ternura amarela do olho aberto do Sol, os primeiro rebentos emergem da nudez despojada das árvores, e muito lentamente, todos os campos se cobrem de esperança.


Harshness vanished. A sudden softness
has replaced the meadows' wintry grey.
Little rivulets of water changed
their singing accents. Tendernesses,

hesitantly, reach toward the earth
from space, and country lanes are showing
these unexpected subtle risings
that find expression in the empty trees.


Rainer Maria Rilke | Early Spring



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*jasmim*










*jasmim*













*jasmim*














a palavra circunda
um ponto branco
mas não apreende
a substância do seu perfume

é este o odor das noites
ocupando o espaço todo
disponível para o silêncio

escrever —
— ainda tão distante
da matéria do amor.



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domingo, 11 de abril de 2004




:: black spot for baby ::


não é que eu costume falar destas coisas, mas tendo em conta que há uma ternura implícita nos números, hoje apercebi-me tardiamente que o little black spot completa 11 meses no dia 11. não o teria mencionado sequer, certamente é a época pascal a despertar em mim velhas superstições.



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:: nota para depois ::


só o contexto define o que a literalidade confunde.



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ODYSSEUS




Odysseus and Penelope


«Seria bastante astucioso e velhaco aquele que te excedesse em todos os géneros de manhas, ainda que fosse um deus a tentá-lo. Incorrigível inventor de mil ardis, insaciável de estratagemas, será que nem sequer na tua pátria és capaz de por termo aos teus embustes, aos relatos mentirosos, que te são profundamente queridos? Vamos! Deixa esses fingimentos (...).»

fala de Palas Atena a Ulisses aquando da chegada deste a Ítaca
Odisseia | Homero



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tu, Ulisses dos mil estratagemas, semelhante a um deus, assim te vejo regressar de novo, e outro nome não poderias ter escolhido, se o caminho que até mim te trouxe tão povoado esteve de enganos e desencontros, de silêncios doridos e palavras ocultadas.



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posted by saturnine | 18:47 |


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ORIENTAÇÃO: domingo de Páscoa





No ribeiro quase seco
uma árvore
atormenta a minha alma

creio que de lá
parte para anunciar a noite
o voo sonolento do noitibó

Mário Rui de Oliveira | Árvore Cinzenta
Bairro Judaico



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Amava-a junto ao poço
matando a sede aos rebanhos

o amor devasta propriedades
faz da terra
uma desolação aos nossos olhos

«dá-me as maçãs
do seu amor»
suplica

sete anos chorou (e ainda sete)
sua ferida incurável

Mário Rui de Oliveira | Jacob e Raquel


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De olhos cerrados, num autocarro, até me perder. Vazio, indigente, puro, regresso suplicando compaixão. É tarde. O crepúsculo já pronunciou o seu nome e não sei onde fica a minha casa.
Rente aos muros, coração descalço, persigo o vento da noite, o murmúrio de uma voz.


Mário Rui de Oliveira | O Vento da noite


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Os monges do deserto, esses que chegam da vigília do silêncio, diante de um cesto, escolhem os frutos mais apodrecidos. Gestos assim podem parecer insignificantes, até indiferentes, mas, na realiade, revelam aqueles que os cumprem. Os santos sentem-se indignos de receber e preferem reservar, aos outros, o melhor. Para eles, somente a visão perfumada dos pomares.

Mário Rui de Oliveira | Os padres do deserto


......................................


por este motivo compreendo agora, se não antes, porque me foi escolhido este par interessante. obrigada pela Ana Teresa Pereira, pelo Mário Rui de Oliveira, pelo Tonino Guerra. algo em mim se fez subitamente de pão e água, e em próximo contacto com o vínculo humano das palavras, toda a poesia excita em mim ternura pela terra.



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ORIENTAÇÃO: sábado de sol


Presas ao ritmo da terra
tão fundas e circulares
conhecem a matéria
com que os deuses
(artesãos esquecidos)
modulavam os homens

íntimas do fogo e da sombra
talhas tenhas e potes
conservam o vinho o azeite e o pão
e a história milenar de uma grande sede

Mário Rui de Oliveira | Talhas Tenhas e Potes
Bairro Judaico


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Parei ao sol uma manhã de verão
e vi as estradas
cheias de pessoas, como outrora,
para o mercado da seda.
Os csulos nos sacos
empolavam os aventais das mulheres.
Mas de repente desapareceu tudo
e eu era um prego no meio da praça
fzendo uma sombra quente.

Tonino Guerra | Canto Nono
O Mel


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Estou nu diante da água imóvel. Deixei a minha roupa
no silêncio dos últimos ramos.


Isto era o destino:


chegar à margem e ter medo da quietude da água.

António Gamoneda
O Livro do Frio


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A calma de uma árvore que reluz, nas suas folhs íntimas, o lngor do gatos como príncipes, um livro lido ao som de uma confidência, na tarde.
Os minutos de uma espera são, por vezes, a vida.

Mário Rui de Oliveira | Uma confidência na tarde
O Vento da Noite


.......................................


A poesia não pode tratar de mim,
nem eu da poesia.
Estou só, o poema está só,
o resto é dos vermes.
Estava à beira das ruas onde moram as palavras,
livros, cartas, notícias,
e esperava.
Sempre esperei.

As palavras, em forma claras ou escuras,
transformavam-se em alguém escuro ou mais claro.
Poemas passam por mim
e reconheciam-me como coisa.
Via-o e via-me.

Esta escraidão não tem fim.
Esquadrões de poemas procuram os seus poetas.
Vão errando sem comando pelo grande distrito das palavras
e esperam o engodo da sua forma
feita, perfeita, fechada,
concentrada e

intangível.

Cees Noteboom | Engodo
UMA MIGALHA NA SAIA DO UNIVERSO: Antologia de Poesia Neerlandesa



.......................................
esquecendo o pão, o vinho, o jejum, a paixão, só celebro a Páscoa com o sol e com os livros, e a devoção que me é intrínseca está prometida às flores perfumadas do jardim.





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ÍTACA, ainda

Penélope adormecida
sobre a negra noite deposita
o amargo silêncio da espera.


Ulisses ausente ao largo
apressa o coração magoado
em direcção à ilha rochosa
à terra mais firme
que o sonho que o demora.



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sábado, 10 de abril de 2004



Of course it hurts...





Of course it hurts when buds burst.
Otherwise why would spring hesitate?

Why would all our fervent longing
be bound in the frozen bitter haze?
The bud was the casing all winter.
What is this new thing, which consumes and bursts?
Of course it hurts when buds burst,
pain for that which grows
  and for that which envelops.

Of course it is hard when drops fall.
Trembling with fear they hang heavy,
clammer on the branch, swell and slide -
the weight pulls them down, how they cling.
Hard to be uncertain, afraid and divided,
hard to feel the deep pulling and calling,
yet sit there and just quiver -
hard to want to stay
  and to want to fall.

Then, at the point of agony and when all is beyond help,
the tree's buds burst as if in jubilation,
then, when fear no longer exists,
the branch's drops tumble in a shimmer,
forgetting that they were afraid of the new,
forgetting that they were fearful of the journey -
feeling for a second their greatest security,
resting in the trust
                          that creates the world.


Karin Boye | Of course it hurts | 1935


..................................................



adenda: lembro-me que li este poema pela primeira vez há uns anos, oferecido por uma pessoa que não conhecia, que mesmo assim se tornou querida, por mo ter mostrado, sem sabê-lo, em tom de promessa, ou diria mais — de profecia. não me lembrava de todo do poema, a não ser o ritmo doce do primeiro verso. of course it hurts when buds burst. delicosa a aliteração conseguida, inexplicável a minha alegria ao recuperá-lo das prfundezas do esquecimento. hoje, depois de um deserto atravessado, um abismo escalado só à força de unhas, constato que o que era devido foi cumprido — sim, que doem como bolhas os primeiros rebentos da primavera, abrindo feridas na terra magoada pelo frio, mas que são sinal de uma renovada felicidade.


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sexta-feira, 9 de abril de 2004



OPHELIA




Ophelia | Odilon Redon


And the poet says that by starlight
You come seeking, in the night, the flowers that you picked
And that he has seen on the water, lying in her long veils
White Ophelia floating, like a great lily. *






Ophelia | Sir John Everett Millais

* Arthur Rimabud | Ophelia




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:: dos perfumes ::

minúscula a flor do jasmim
            ainda assim
            suficiente
para transformar este quarto            em luz exterior.



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:: absence ::

permitam-me um pouco do néctar        em cuja falta
padeço e morro
permitam-me que me demore ao sol        ou rente
à claridade das varandas
nada mais procuro que um sopro de verão       que anime
a fértil substância dos livros.



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BIG BLUE SPOT



a familiaridade nunca pode ser casual.



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All these worlds are your except Europa...

todos os mundos à nossa disposição, excepto Europa. não há mensagem de esperança sem mistério, supõe-se. no desconhecimento reside o encanto.
mas na incansável procura de uma possível colonização do espaço — que, à extinção no nosso ponto azul claro, evitasse a extinção da espécie humana — descobre-se que Europa é justamente, dentro do nosso sistema solar, o lugar mais viável para a sobrevivência. com a sua superfície gelada, é fácil acreditar que a expansão do Sol eventualmente provoque um degelo que dê origem a vastos mares e oceanos, a água essencial à vida. mas este mundo está-nos interdito. e agora?



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posted by saturnine | 22:02 |


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:: to be (here) or not to be (here) ::


soube-me bem a ausência. falhei os rituais diários, falhei os compromissos, falhei o festejo. mas tudo isto valeu a companhia do sol, o sopro quente da tarde nas janelas.



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quarta-feira, 7 de abril de 2004




APRIL is the cruellest month, breeding
Lilacs out of the dead land


(...)

What are the roots that clutch, what branches grow
Out of this stony rubbish? Son of man, 20
You cannot say, or guess, for you know only
A heap of broken images, where the sun beats,
And the dead tree gives no shelter, the cricket no relief,
And the dry stone no sound of water. Only
There is shadow under this red rock, 25
(Come in under the shadow of this red rock),
And I will show you something different from either
Your shadow at morning striding behind you
Or your shadow at evening rising to meet you;
I will show you fear in a handful of dust.


(...)

T.S. Eliot | in The Burial of the Dead
Waste Land




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:: i wish i was a star ::







saber, depois, que só há silêncio, e que nenhuma palavra pode profanar a inexorabilidade do indizível.



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:: carpe diem #3 ::


uma hora a mais nos meus dias garante-me o equilíbrio das estações, a justeza reconquistada do mundo e das coisas subitamente circundadas de luz. regressar a casa com um rasgo amarelo a ferir-me as pálpebras, o sol a pôr-se entre as árvores, é bastante para acreditar que é por dentro que trazemos o verão, à espera de acordar com um sopro perfumado ao fim da tarde. e porque hoje, novamente, me urgiu a ideia de aproveitar o dia, resolvi recordar um lugar comum *:


«I went to the woods because I wished to live deliberately, to front only the essential facts of life, and see if I could not learn what it had to teach, and not, when I came to die, discover that I had not lived. I did not wish to live what was not life, living is so dear; nor did I wish to practice resignation, unless it was quite necessary. I wanted to live deep and suck out all the marrow of life, to live so sturdily and Spartan-like as to put to rout all that was not life, to cut a broad swath and shave close, to drive life into a corner, and reduce it to its lowest terms, and, if it proved to be mean, why then to get the whole and genuine meanness of it, and publish its meanness to the world; or if it were sublime, to know it by experience, and be able to give a true account of it in my next excursion.»

Henry David Thoreau | Walden Pond


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* por divagação, lugar onde ausentes se encontram, pela familiaridade íntima das palavras.



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segunda-feira, 5 de abril de 2004




:: o meu gigante preferido ::
all these worlds are yours except Europa





When 17th-century astronomers first turned their telescopes to Jupiter, they noted a conspicuous reddish spot on the giant planet. This Great Red Spot is still present in Jupiter's atmosphere, more than 300 years later. It is now known that it is a vast storm, spinning like a cyclone. Unlike a low-pressure hurricane in the Caribbean Sea, however, the Red Spot rotates in a counterclockwise direction in the Southern Hemisphere, showing that it is a high-pressure system. Winds inside this Jovian storm reach speeds of about 270 mph.

The Red Spot is the largest known storm in the solar system. With a diameter of 15,400 miles, it is almost twice the size of the entire Earth and one-sixth the diameter of Jupiter itself. However, the Red Spot does change its shape, size, and color, sometimes dramatically.




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:: Hubble: picture of the day ::




NGC 1850, Double Cluster
© www.spacetelescope.org




para que as noites sejam magníficos lugares, saber que somos feitos da mesma matéria que isto.



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:: moderato cantabile ::


era inevitavelmente para isto que caminhava, estas duas palavras que são como o verão riscado sobre a memória, se entretanto já me envolvia o perfume e o enlevo da noite morna, a memória dos passos na varanda, de todos os nomes que entretanto esqueci, rostos despedaçados contra o azul e contra a exaltação das flores, ao longe um canto antigo e imenso, sem dúvida o mar, contra todo o esquecimento.



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:: nocturno ::


é este o cheiro das noites atlânticas, dos murmúrios rente ao calor sossegado das varandas, onde os corpos repousam do ardol do sol, cheios de íntimas insinuações, como se soubessem decifrar a matéria negra do silêncio. é este o cheiro do próprio verão, das promessas feitas porque os dias são longos e justos, enfim, da própria substância do desejo.



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:: blossom ::





poderia morrer só na margem deste perfume. porque ocupa o espaço todo, ocupa mesmo o lugar destinado ao meu corpo, e prepara-se já, eu sei, para ocupar também a noite, garantindo uma promessa de verão suspensa sobre as áleas. esta medida justa me basta, para desaparecer no completo silêncio.



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:: april blossoms ::


acreditem: é-me insuportável estar no interior quando pela janela vejo as corolas azuis dos miosótis, e o branco perfume do jasmim invade a primeira penumbra do fim de tarde. há coisas a que não sou, de todo, indiferente. sou cativa dos sentidos.



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:: celebrar a primavera com um canto de inverno ::


Todo o canto é cruel. mas como, diz-me,
haviam de contê-lo seus estreitos
caminhos escarpados pela boca
do inferno? Quem seguisse os seus túneis
com velozes esperanças, vivas mãos
e revoltos cabelos e arriscase

esta pobre matéria, se arriscasse
apenas o que é seu, apenas, diz-me,
o atingisse a água pelos túneis
conseguiria, perdido nos estreitos
aquedutos de som, na escura boca,
do inferno regressar por suas mãos?

E quem na água negra erguendo as mãos
esperasse sair vivo, quem nos túneis
fósforos trémulos para avançar riscasse
fugazes vacilando, como, diz-me,
os não apagaria nos estreitos
corredores tão próximos a boca?

Vasco Graça Moura
in O Mês de Dezembro e Outros Poemas




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:: of darkness & confusion ::


encontrar-me aqui é perceber que a noite é o meu lugar, que apesar do cansaço que me dobra, há rituais para serem cumpridos, o corpo diluído nas memórias. deitar-me é como entregar-me a uma floresta de sombras, aguardar o murmúrio das vozes que emergem dos cantos escuros do silêncio.



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:: i like darkness confusion and absurdity * ::


uma destas noites, apeteceu-me regressar a Lynch, que é mais ou menos assim como regressar a casa, às poucas coisas que conheço. Mulholland Drive exerce um fascínio que começa logo com o título, que pronunciado em voz alta imediatamente resgata qualquer coisa que só pode ter origem na angústia de Twin Peaks. e depois, como sempre acontece com os filmes de Lynch, as imagens transbordam para o meu espaço pessoal, e antes que possa fazer algo para evitá-lo, já me vejo confundida com a ficção. estas imagens acompanharam-me a noite toda. toda a noite dormi dentro daquele filme, e se acordava não havia um quarto onde me situasse, submersa numa tonalidade distinta da escuridão — como um olho aberto do silêncio. acontece-me sempre não perceber, e ficar presa ao fascínio de não perceber, porque aí reside toda a beleza do abstracto — e David Lynch acredita que é possível o abstracto no cinema —, criado para extasiar e comover, nunca para contar ou explicar. está presente o bizarro, o insólito, a densidade insuportável, a diluição da identidade.
num tempo que fosse imóvel, todas as coisas aconteceriam em simultâneo, e todas as personagens veriam os seus rostos confundidos.


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«The spark for Mulholland Drive was the name. And the name on a sign post in the night and partially for a moment illuminated by the headlights of a car. Mulholland Drive is a road in Los Angeles that goes along the crest of the Santa Monica mountains and it's a beautiful road in the daytime but also a beautiful road at night giving vistas out to the valley on one side and Hollywood on the other. And at night it's a road that is mysterious. It's kind of dark, the road has remained the same through the years. It's a mysterious road.»

* but i like to know that there's a door i can escape into an area of happiness. [David Lynch]




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sábado, 3 de abril de 2004




NENHUM NOME DEPOIS

Não tenhas medo do amor. Pousa a tua mão
devagar sobre o peito da terra e sente respirar
no seu seio os nomes das coisas que ali estão a
crescer: o linho e a genciana; as ervilhas-de-cheiro
e as campainhas azuis; a menta perfumada para
as infusões do verão e a teia de raízes de um
pequeno loureiro que se organiza como uma rede
de veias na confusão de um corpo. A vida nunca

foi só inverno, nunca foi só bruma e desamparo
.
Se bem que chova ainda, não te importes: pousa a
tua mão devagar sobre o teu peito e ouve o clamor
da tempestade que faz ruir os muros: explode no
teu coração um amor-perfeito, será doce o seu
pólen na corola de um beijo, não tenhas medo,
hão-de pedir-to quando chegar a primavera.

Maria do Rosário Pedreira

para P.




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O LIVRO DO FRIO

Ante las viñas abrasadas por el invierno, pienso en el
miedo y en la luz (una sola sustancia dentro de mis
ojos),

pienso en la lluvia y en las distancias atravesadas por la ira.

* * *

Diante das vinhas abrasadas pelo inverno, penso no
medo e na luz (uma única substância dentro de meus
olhos),

penso na chuva e nas distâncias atravessadas pela ira.


Antonio Gamoneda



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ULISSES JÁ NÃO MORA AQUI

O teu corpo como um livro
escrito em braille,
Nausica, deixei-o
no apítulo primeiro.

Inútil é pensar
nos parágrafos de luz
que prometias.
Feito está o erro.

Não é cego o amor:
é cego quem o troca
pelo hás de bem amado
da sua escuridão.

José Miguel Silva | Sem título



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:: ouvido de passagem ::


«ao menos há que reconhecer que ele impunha respeito.» era de Salazar que falavam, duas velhotas sentadas num banco da estação. e eu interrogo-me, com escândalo, que género de respeito seria esse, imposto pela tirania e pelo medo, que género de ordem será essa que se gera na falsidade do pensamento abafado num mutismo obscurantista, na escolha do silêncio pelo receio da perseguição, na desconfiança atroz do desconhecido que se senta casualmente ao nosso lado. penso sempre que é inconcebível o saudosismo de um mundo assim, sempre acreditei - ingenuamente - que seria impensável a saudade dessa violência ideológica. parece quase que caí de súbito do Éden e descubro, com escândalo, que afinal é possível que não tenha havido consciência da opressão, e como tal, não haja igualmente consciência da liberdade.
e o escândalo roça o nojo, neste banco de estação, pela conveniência de um «Que Deus me perdoe!» antes de, sem vergonha nem pudor, dizerem as maiores barbaridades. como se isso bastasse para redimir os nossos pecados, apelar a que Deus Nosso Senhor nos perdoe, para depois podermos sem problemas de consciência prosseguir na confortável hipocrisia da tacanhez. o espírito humano é capaz de atrocidades inimagináveis.



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:: dos lugares que são como memórias evocadas ::


a estação de S. Bento guarda a memória de uma afectividade própria dos lugares que, através da mudança, conservam a familiaridade. S. Bento, para mim, significa o regresso a duas coisas: à vista sobre o rio, antes do túnel, e às barras de nougat no quiosque do costume. é certo que o rio permanecerá, apesar das casas que o ocultam; mas um dia que chegue à estação e já lá não se vendam barras de nougat (no único sítio onde as compro, mais por tradição que por necessidade), parte do mundo terá certamente desabado ante mim.



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sexta-feira, 2 de abril de 2004



:: pale blue dot ::




© Earth View


a nossa casa vista do espaço. o ponto azul claro somos nós. porque olhar o firmamento no gume da noite é isso mesmo, silenciar, compreender que temos uma casa. mas pensar que no espaço o que se vê quase não nos assegura existência. mesmo assim essa infimidade basta. habitamos um minúsculo ponto azul claro, e essa consciência é qualquer coisa próxima do milagre.


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Look again at that dot. That's here. That's home. That's us. On it everyone you love, everyone you know, everyone you ever heard of, every human being who ever was, lived out their lives. The aggregate of our joy and suffering, thousands of confident religions, ideologies, and economic doctrines, every hunter and forager, every hero and coward, every creator and destroyer of civilization, every king and peasant, every young couple in love, every mother and father, hopeful child, inventor and explorer, every teacher of morals, every corrupt politician, every "superstar," every "supreme leader," every saint and sinner in the history of our species lived there - on a mote of dust suspended in a sunbeam.

SETI@home: pale blue dot




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:: Hubble picture of the day ::




Nebula NGC 2080, nicknamed the 'Ghost Head Nebula'
© www.spacetelescope.org



se não cesso de me maravilhar — e há um susto nisto de aperceber-me do indizível — quase acredito que habito um mundo perfeito.



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:: ... ::




V838 Monocerotis
© www.spacetelescope.org



no negro silêncio do espaço, cresce uma outra noite estrelada, que faz pensar em Van Gogh.



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:: em queda livre sobre a complexidade ::


tenho uma amiga que há muito não vejo, que, aliás, raramente encontro. mas nunca esqueço que a ela devo ter compreendido que está no destino da larva tornar-se borboleta. hoje, num dia como qualquer outro, o meu peito enche-se novamente como um balão insuflado de ar quente, à espera de subir subir subir. como se a inexplicável alegria fosse tanta que algo em mim se mostrasse pronto a rebentar. é comoção por coisa nenhuma, consciência de ser vivo. o sorriso pleno, interno, da justeza entre todas as coisas.



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:: inconveniência sobre a complexidade #2 ::


perceber que, em algum momento, nos tornaremos tendencialmente egoístas ou tendencialmente altruístas. é pouco o tempo que temos para nos dedicarmos com o mesmo fervor ao mundo inteiro.



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:: inconveniência sobre a complexidade ::


cada vez mais tendo a acreditar que nem sempre a tacanhez será sinal de falta de inteligência. como em tudo, há-de certamente haver muita gente que a possua, mas não saiba o que fazer com ela.



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:: espelho ::


hoje, para contrapor à chuva, veste-se uma camisola vermelha.



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quinta-feira, 1 de abril de 2004



:: o olho do abismo ::


«Ao fixar o rio sentiu uma angústia como um olho enorme e sem pálpebras. (...)
Uma após outra, a marcarem posições, as estrelas eram como chagas abertas no seu próprio ser, desdobramentos múltiplos dquela angústia, daquele olho sem pálpebras. Quem sabe se as constelações seriam monstruosidades de um divino delírio? Um desastre que parecia atingir o universo inteiro.»


Lunar Caustic | Malcolm Lowry





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:: April Fools' Day ::


senti a tentação da mentira fácil. o little black spot termina hoje, aqui. mas depois ocorreu-me que isto não anda assim tão longe da verdade — qualquer coisa que amamos anda sempre perto de acabar — e achei por bem voltar a cara aos fingimentos. nunca tive jeito para o engano.



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spot player special




"us people are just poems"
[ani difranco]


*

calamity.spot[at]gmail.com



~*. through the looking glass .*~




little black spot | portfolio
Baucis & Philemon | tea for two
os dias do minotauro | against demons
menina tangerina | citrus reticulata deliciosa
the woman who could not live with her faulty heart | work in progress
pale blue dot | sala de exposições
o rosto de deus | fairy tales








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~*. rearview mirror .*~


maio 2003 . junho 2003 . julho 2003 . agosto 2003 . setembro 2003 . outubro 2003 . novembro 2003 . dezembro 2003 . janeiro 2004 . fevereiro 2004 . março 2004 . abril 2004 . maio 2004 . junho 2004 . julho 2004 . agosto 2004 . setembro 2004 . outubro 2004 . novembro 2004 . dezembro 2004 . janeiro 2005 . fevereiro 2005 . março 2005 . abril 2005 . maio 2005 . junho 2005 . julho 2005 . agosto 2005 . setembro 2005 . outubro 2005 . novembro 2005 . dezembro 2005 . janeiro 2006 . fevereiro 2006 . março 2006 . abril 2006 . maio 2006 . junho 2006 . julho 2006 . agosto 2006 . setembro 2006 . outubro 2006 . novembro 2006 . dezembro 2006 . janeiro 2007 . fevereiro 2007 . março 2007 . abril 2007 . maio 2007 . junho 2007 . julho 2007 . agosto 2007 . setembro 2007 . outubro 2007 . novembro 2007 . dezembro 2007 . janeiro 2008 . fevereiro 2008 . março 2008 . abril 2008 . maio 2008 . junho 2008 . julho 2008 . agosto 2008 . setembro 2008 . outubro 2008 . novembro 2008 . dezembro 2008 . janeiro 2009 . fevereiro 2009 . março 2009 . abril 2009 . maio 2009 . junho 2009 . julho 2009 . agosto 2009 . setembro 2009 . outubro 2009 . novembro 2009 . dezembro 2009 . janeiro 2010 . fevereiro 2010 . março 2010 . maio 2010 . junho 2010 . julho 2010 . agosto 2010 . outubro 2010 . novembro 2010 . dezembro 2010 . janeiro 2011 . fevereiro 2011 . março 2011 . abril 2011 . maio 2011 . junho 2011 . julho 2011 . agosto 2011 . setembro 2011 . outubro 2011 . janeiro 2012 . fevereiro 2012 . março 2012 . abril 2012 . maio 2012 . junho 2012 . setembro 2012 . novembro 2012 . dezembro 2012 . janeiro 2013 . janeiro 2014 .


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~*. spying glass .*~


a balada do café triste . ágrafo . albergue dos danados . almanaque de ironias menores . a natureza do mal . animais domésticos . antologia do esquecimento . arquivo fantasma . a rute é estranha . as aranhas . as formigas . as pequenas estruturas do ócio . atelier de domesticação de demónios . atum bisnaga . auto-retrato . avatares de um desejo . baggio geodésico . bananafish . bibliotecário de Babel . bloodbeats . caixa-de-lata . casa de cacela . chafarica iconoclasta . coisa ruim . com a luz acesa . comboio de fantasmas . complicadíssima teia . corpo em excesso de velocidade . daily make-up . detective cantor . dias com árvores . dias felizes . e deus criou a mulher . e.g., i.e. . ein moment bitte . em busca da límpida medida . em escuta . estado civil . glooka . i kant, kant you? . imitation of life . isto é o que hoje é . last breath . livros são papéis pintados com tinta . loose lips sink ships . manuel falcão malzbender . mastiga e deita fora . meditação na pastelaria . menina limão . moro aqui . mundo imaginado . não tenho vida para isto . no meu vaso . no vazio da onda . o amor é um cão do inferno . o leitor sem qualidades . o assobio das árvores . paperback cell . pátio alfacinha . o polvo . o regabofe . o rosto de deus . o silêncio dos livros . os cavaleiros camponeses no ano mil no lago de paladru . os amigos de alex . Paris vs. New York . passeio alegre . pathos na polis . postcard blues . post secret . provas de contacto . respirar o mesmo ar . senhor palomar . she hangs brightly . some variations . tarte de rabanete . tempo dual . there is only 1 alice . tratado de metatísica . triciclo feliz . uma por rolo . um blog sobre kleist . vazio bonito . viajador


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~*. the bell jar .*~



os lugares comuns: against demons . all work and no play . compêndio de vocações inúteis  .  current mood . filosofia e metafísica quotidiana . fruta esquisita menina aflita . inventário crescente de palavras mais-que-perfeitas . miles to go before I sleep . música no coração  .  música para o dia de hoje . o ponto de vista dos demónios . planos para dominar o mundo . this magic moment  .  you came on like a punch in the heart . you must believe in spring


egosfera: a infância . a minha vida dava um post . afirmações identitárias . a troubled cure for a troubled mind . april was the cruellest month . aquele canto escuro que tudo sabe . as coisas que me passam pela cabeça . fruto saturnino (conhecimento do inferno) . gotham style . mafarricar por aí . Mafia . morto amado nunca mais pára de morrer . o exílio e o reino . os diálogos imaginários . os infernos almofadados . RE: de mail . sina de mulher de bandido . the woman who could not live with her faulty heart . um lugar onde pousar a cabeça   .  correio sentimental


scriptorium: (des)considerações sobre arte . a noite . and death shall have no dominion . angularidades . bicho escala-estantes . do frio . do medo . escrever . exercícios . exercícios de anatomia . exercícios de respiração . exercícios de sobrevivência . Ítaca . lunário . mediterrânica . minimal . parágrafos mínimos . poemas . poemas mínimos . substâncias . teses, tratados e outras elocubrações quase científicas  .  um rumor no arvoredo


grandes amores: a thing of beauty is a joy forever . grandes amores . abraços . Afta . árvores . cat powa . colectânea de explicações avulsas da língua portuguesa  .  declaração de amor a um objecto . declaração de amor a uma cidade . desolação magnífica . divas e heróis . down the rabbit hole . drogas duras . drogas leves . esqueletos no armário . filmes . fotografia . geometrias . heart of darkness . ilustraçãoinício . matéria solar . mitologias . o mar . os livros . pintura . poesia . sol nascente . space is the place . the creatures inside my head . Twin Peaks . us people are just poems . verão  .  you're the night, Lilah


do quotidiano: achados imperdíveis . acidentes quotidianos e outros desastres . blogspotting . carpe diem . celebrações . declarações de emergência . diz que é uma espécie de portfolio . férias  .  greves, renúncias e outras rebeliões . isto anda tudo ligado . livro de reclamações . moleskine de viagem . níveis mínimos de suporte de vida . o existencialismo é um humanismo . só estão bem a fazer pouco


nomes: Aimee Mann . Al Berto . Albert Camus . Ana Teresa Pereira  . Bauhaus . Bismarck . Björk . Bond, James Bond . Camille Claudel . Carlos de Oliveira . Corto Maltese . Edvard Munch . Enki Bilal . Fight Club . Fiona Apple . Garfield . Giacometti . Indiana Jones . Jeff Buckley  .  Kavafis . Klimt . Kurt Halsey . Louise Bourgeois . Malcolm Lowry . Manuel de Freitas . Margaret Atwood . Marguerite Duras . Max Payne . Mia Couto . Monty Python . Nick Drake . Patrick Wolf  .  Sophia de Mello Breyner Andresen . Sylvia Plath . Tarantino . The National . Tim Burton


os outros: a natureza do mal . amigos . dedicatórias . em busca da límpida medida . retalhos e recortes



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...it's full of stars...


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