domingo, 14 de junho de 2009



The Bell Jar


o nosso cérebro até é uma máquina bastante eficiente, no seu instinto de preservação da máquina global humana de que faz parte. li A Campânula de Vidro de Sylvia Plath há precisamente 6 anos, sem que me tivesse ficado na memória uma linha, uma impressão que fosse. tratava-se de um vazio total, uma ausência descarada que desmentia a certeza de uma leitura que, apesar de tudo, eu sabia ter sido apaixonada. mas que fazer então deste incompreensível reset, sem marcas de personagens, de nomes, de enredos, sequer de sensações? ora, fiz o que se impunha: reli. só mesmo para perceber que o meu cérebro, ao proceder de imediato a um majestoso apagão, jogava a meu favor: protegia-me de mim mesma. ao reencontrar Esther e o seu definhamento lento e progressivo no interior da sua campânula de vidro, cada vez mais ausente do mundo e de si mesma, fui devolvida com um estalo a uma época longínqua, já distante, e fui forçada a revisitar um lugar em mim que julgava já esquecido: um túnel terrível onde uma pessoa se pode perder vezes sem conta, aquele velho canto escuro que tudo sabia.

hoje sei-o, A Campânula de Vidro é o livro mais terrível da minha vida, demoníaco, assombrado, perverso pela subtileza com que vai, muito lentamente, sugando o ar à minha volta sem que o perceba, até me fazer acordar a meio da noite incapaz de respirar. é claro que o cérebro é maleável, deixa-se enganar e manipular só até certo ponto; a velha máquina eficiente volta a tomar as rédeas da situação e assume a reafirmação da memória como aprendizagem: esta é a tua rua de sentido proibido, na qual não voltarás a prevaricar. a enfermidade é sempre tentadora, mas a aprendizagem da respiração é um exercício de resistência.

a ironia disto tudo reside nas partidas que o pobre cérebro prega a si próprio. o mergulho no esquecimento, tão útil na superação daquilo que dói, estende uma perigosa armadilha, e o afincado impulso de auto-protecção acaba por encontrar-se na origem das mais constrangedoras contradições: é que a memória sempre impulsiona os mecanismos de prevenção de reincidências. senão vejamos o exemplo da personagem de Kirsten Dunst no Eternal Sunshine of The Spotless Mind, a reviver uma e outra vez a mesma história dolorosa, justamente aquela que tinha preferido apagar do seu cérebro, mas que pela ausência de um luto, de um marco na memória, a deixa vulnerável às recaídas, e ao regresso aos mesmos lugares errados de um passado ainda recente.





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posted by saturnine | 01:24 | 3 Comentários


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terça-feira, 9 de junho de 2009



inversão


inevitavelmente, concluo: a partir de agora já não preciso de dizer Vou-me embora pra Pasárgada. substituirei o protesto por Vamos embora prà Patagónia!





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posted by saturnine | 00:21 | 4 Comentários


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segunda-feira, 8 de junho de 2009



O Desenho no Tapete #3


para terminar o ciclo, uma afirmação: sou o tipo de leitora que aprecia e procura o desenho no tapete. não é uma particular afeição pelos enigmas, mas antes pelos labirintos: gosto da ideia da busca, da incerteza de um caminho certo, da incerteza de uma saída. e gosto dos passos, da ideia dos passos, e dos caminhos que se entre cruzam, e dos que nos levam durante algum tempo em círculos, mas essencialmente dos que subitamente nos levam a outros caminhos e quando damos conta estamos já num lugar completamente diferente. gosto da magia das histórias e da subtileza com que as mais distintas por vezes se interligam.

o meu fascínio literário paralelo tem um nome, e é também uma tag deste blog: heart of darkness. o apelo da selva. uma certa forma de ouvir a pedra de Sísifo rolar, montanha abaixo, montanha acima. o instinto que reúne na minha afectividade escritores como Malcolm Lowry, Joseph Conrad, André Malraux, Bruce Chatwin e mais recentemente Jack London e Paul Theroux. instinto que me aproxima cada vez mais da leitura do Moby Dick de Herman Melville (obra fulcral na construção literária e identitária de autores como Lowry ou Conrad), da Tempestade de Shakespeare (obra que terá já inspirado esse colosso fundamental que é O Mar, O Mar, de Iris Murdoch), e da Viagem do Beagle de Darwin - aproximação essa confirmada pelo Regresso à Patagónia, obra conjunta de Bruce Chatwin e Paul Theroux. depois da leitura ávida (quase sôfrega) deste pequeno ensaio, há duas coisas de que tenho absoluta certeza:


1) quero ir ao fim do mundo, quero ver a terra do fogo, quero conhecer a Ushuaia das minhas histórias da infância para ver se encontro o Holandês Voador.

2) o meu projecto de vida há-de passar pela redacção de uma tese sobre o apelo dos livros. mesmo que seja uma tese mental, imaginária. posso perfeitamente construir castelos no ar. dentro das histórias, tudo é possível. e a minha cabeça também é uma história.








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posted by saturnine | 23:30 | 0 Comentários


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O Desenho no Tapete #2


na minha segunda visita à Feira do Livro, parecia que levava comigo uma bolha de serendipidade*: guiada pela mesma intuição frutuosa - que não é mais do que os destroços salvos de uma memória caótica e fragmentada - fui encontrando algumas pérolas:

Malcolm Lowry, Ultramarina
[descatalogadíssimo, mesmo no original é uma raridade]

Carson McCullers, Reflexos Nuns Olhos de Oiro
[fim de edição na Relógio d'Água, descatalogação em rápida contagem decrescente]



no fim, um livro chamou-me a atenção no meio dos outros, como uma jóia de brilho ténue, a sobressair apenas por entre a leve obscuridade provocada pelos outros menos preciosos:

Elizabeth Bowen, A Morte do Coração



confirma-se: também era uma referência lida num livro de Ana Teresa Pereira. isto anda mesmo tudo ligado. haja tempinho e bom tempo para as boas leituras que se avizinham. percebem agora por que digo que isto está em risco de se tornar uma obsessão? o que vale é que acabei de entrar de férias.





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posted by saturnine | 23:18 | 0 Comentários


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O Desenho no Tapete #1


toda a minha vida acreditei que os livros nos chegam sempre na altura certa, e que se nos revelam no momento apropriado, em que há como que uma porta em nós que se abre, deixando entrar uma luz generosa e modeladora, que nos prepara para a compreensão.
quando resgatei O Desenho no Tapete de Henry James na primeira visita à Feira do Livro, fi-lo com a urgência de um reconhecimento, ainda que não soubesse situar de imediato a substância da sua familiaridade. fui lá por pressentimento, convicta de que acertara em qualquer coisa, ainda que não soubesse o quê. não sabia, acima de tudo, que a mais fina ironia se revelaria rapidamente (é uma novela curtinha, lê-se em pouco tempo), como se revela simples o complexo padrão desenhado num tapete persa quando se olha com atenção.
absorvente e inquietante quanto baste, trata da própria matéria dos livros, da natureza das histórias, dos segredos dos escritores mal compreendidos pelo seu tempo. termina angustiantemente sem uma resolução: nenhum segredo é revelado; sabemos que o desenho no tapete existe, mas não conhecemos a sua configuração.







passados um ou dois dias, encontro a referência à novela num livro de Ana Teresa Pereira. ela, que quase sempre nos fala, ainda que implicitamente, desse acto mágico criador que é o do escritor que inventa as suas personagens, animando-as com um sopro que é o da sua própria vida, e em cujos livros se encontra invariavelmente presente uma teia de histórias subjacente à história em primeiro plano, evoca o desenho no tapete. foi, portanto, um reconhecimento a priori, projectado para o futuro. isto está assim quase quase quase naquele limiarzinho de tornar-se uma obsessão. o que vale é que acabei de entrar de férias.





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posted by saturnine | 22:45 | 0 Comentários


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adenda:


existe sempre uma ou outra referência feminina de peso nas minhas leituras blogoesféricas. e quando digo de peso, digo na linha de uma bomba inteligente, se é que estão a ver onde quero chegar. a verdade é que estou muito mais satisfeita com as aquisições mais recentes do meu repertório: vou alternando o excesso de velocidade com um momento de pausa para meditar na pastelaria. eu sempre soube que me assentavam bem os desastres e os croissants.





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posted by saturnine | 21:39 | 2 Comentários


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dúvidas existenciais


sim, eu também gostava de saber quem arruinou a tua estante na Fnac de Braga! bem, na verdade eu tendo a mexer em tudo. é que posso perfeitamente ter sido eu. qual é a tua estante?





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posted by saturnine | 21:38 | 0 Comentários


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segunda-feira, 1 de junho de 2009



planos para dominar o mundo #8


primeiro raid à Feira do Livro com alguns bons resultados:


John Cheever, Parece Mesmo o Paraíso
Relógio d'Água (1987)
2,5€

Henry James, O Desenho no Tapete
Relógio d'Água (1988)
2,5€

Italo Svevo, Senilidade
Relógio d'Água (1987)
5€

Dylan Thomas, Uma Visão do Mar e Outras Histórias
Relógio d'Água (2003)
5€

Virginia Woolf, Os Anos
Relógio d'Água (1992)
11€

Guillermo Cabrera Infante, Três Tristes Tigres
D. Quixote (1997)
5€

Manuel Rivas, El Lápiz del Carpintero
Alfaguara
13€



em compensação, a minha esperança de encontrar aquilo que procurava ficou esmorecida. constatação: a cidade Leya é uma trampa da qual resulta que editoras como a Caminho percam exposição de bons títulos de fundo de catálogo e fins de edição. era tarde. faltava meia hora para fechar a feira. não encontrei nenhum dos 3 livros que me faltam para completar a obra da Ana Teresa Pereira. comecei a ficar nervosa. resultado: passei por freak na banca da Relógio d'Água (tipo neurótica em ácidos), uma triste forma de por momentos passar para o outro lado do espelho e ser aquela com que o livreiro - esse animal sacana - pode gozar entre risadinhas maléficas ao virar das costas. oh well.





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posted by saturnine | 01:00 | 3 Comentários


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spot player special




"us people are just poems"
[ani difranco]


*

calamity.spot[at]gmail.com



~*. through the looking glass .*~




little black spot | portfolio
Baucis & Philemon | tea for two
os dias do minotauro | against demons
menina tangerina | citrus reticulata deliciosa
the woman who could not live with her faulty heart | work in progress
pale blue dot | sala de exposições
o rosto de deus | fairy tales








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~*. rearview mirror .*~


maio 2003 . junho 2003 . julho 2003 . agosto 2003 . setembro 2003 . outubro 2003 . novembro 2003 . dezembro 2003 . janeiro 2004 . fevereiro 2004 . março 2004 . abril 2004 . maio 2004 . junho 2004 . julho 2004 . agosto 2004 . setembro 2004 . outubro 2004 . novembro 2004 . dezembro 2004 . janeiro 2005 . fevereiro 2005 . março 2005 . abril 2005 . maio 2005 . junho 2005 . julho 2005 . agosto 2005 . setembro 2005 . outubro 2005 . novembro 2005 . dezembro 2005 . janeiro 2006 . fevereiro 2006 . março 2006 . abril 2006 . maio 2006 . junho 2006 . julho 2006 . agosto 2006 . setembro 2006 . outubro 2006 . novembro 2006 . dezembro 2006 . janeiro 2007 . fevereiro 2007 . março 2007 . abril 2007 . maio 2007 . junho 2007 . julho 2007 . agosto 2007 . setembro 2007 . outubro 2007 . novembro 2007 . dezembro 2007 . janeiro 2008 . fevereiro 2008 . março 2008 . abril 2008 . maio 2008 . junho 2008 . julho 2008 . agosto 2008 . setembro 2008 . outubro 2008 . novembro 2008 . dezembro 2008 . janeiro 2009 . fevereiro 2009 . março 2009 . abril 2009 . maio 2009 . junho 2009 . julho 2009 . agosto 2009 . setembro 2009 . outubro 2009 . novembro 2009 . dezembro 2009 . janeiro 2010 . fevereiro 2010 . março 2010 . maio 2010 . junho 2010 . julho 2010 . agosto 2010 . outubro 2010 . novembro 2010 . dezembro 2010 . janeiro 2011 . fevereiro 2011 . março 2011 . abril 2011 . maio 2011 . junho 2011 . julho 2011 . agosto 2011 . setembro 2011 . outubro 2011 . janeiro 2012 . fevereiro 2012 . março 2012 . abril 2012 . maio 2012 . junho 2012 . setembro 2012 . novembro 2012 . dezembro 2012 . janeiro 2013 . janeiro 2014 .


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~*. spying glass .*~


a balada do café triste . ágrafo . albergue dos danados . almanaque de ironias menores . a natureza do mal . animais domésticos . antologia do esquecimento . arquivo fantasma . a rute é estranha . as aranhas . as formigas . as pequenas estruturas do ócio . atelier de domesticação de demónios . atum bisnaga . auto-retrato . avatares de um desejo . baggio geodésico . bananafish . bibliotecário de Babel . bloodbeats . caixa-de-lata . casa de cacela . chafarica iconoclasta . coisa ruim . com a luz acesa . comboio de fantasmas . complicadíssima teia . corpo em excesso de velocidade . daily make-up . detective cantor . dias com árvores . dias felizes . e deus criou a mulher . e.g., i.e. . ein moment bitte . em busca da límpida medida . em escuta . estado civil . glooka . i kant, kant you? . imitation of life . isto é o que hoje é . last breath . livros são papéis pintados com tinta . loose lips sink ships . manuel falcão malzbender . mastiga e deita fora . meditação na pastelaria . menina limão . moro aqui . mundo imaginado . não tenho vida para isto . no meu vaso . no vazio da onda . o amor é um cão do inferno . o leitor sem qualidades . o assobio das árvores . paperback cell . pátio alfacinha . o polvo . o regabofe . o rosto de deus . o silêncio dos livros . os cavaleiros camponeses no ano mil no lago de paladru . os amigos de alex . Paris vs. New York . passeio alegre . pathos na polis . postcard blues . post secret . provas de contacto . respirar o mesmo ar . senhor palomar . she hangs brightly . some variations . tarte de rabanete . tempo dual . there is only 1 alice . tratado de metatísica . triciclo feliz . uma por rolo . um blog sobre kleist . vazio bonito . viajador


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~*. the bell jar .*~



os lugares comuns: against demons . all work and no play . compêndio de vocações inúteis  .  current mood . filosofia e metafísica quotidiana . fruta esquisita menina aflita . inventário crescente de palavras mais-que-perfeitas . miles to go before I sleep . música no coração  .  música para o dia de hoje . o ponto de vista dos demónios . planos para dominar o mundo . this magic moment  .  you came on like a punch in the heart . you must believe in spring


egosfera: a infância . a minha vida dava um post . afirmações identitárias . a troubled cure for a troubled mind . april was the cruellest month . aquele canto escuro que tudo sabe . as coisas que me passam pela cabeça . fruto saturnino (conhecimento do inferno) . gotham style . mafarricar por aí . Mafia . morto amado nunca mais pára de morrer . o exílio e o reino . os diálogos imaginários . os infernos almofadados . RE: de mail . sina de mulher de bandido . the woman who could not live with her faulty heart . um lugar onde pousar a cabeça   .  correio sentimental


scriptorium: (des)considerações sobre arte . a noite . and death shall have no dominion . angularidades . bicho escala-estantes . do frio . do medo . escrever . exercícios . exercícios de anatomia . exercícios de respiração . exercícios de sobrevivência . Ítaca . lunário . mediterrânica . minimal . parágrafos mínimos . poemas . poemas mínimos . substâncias . teses, tratados e outras elocubrações quase científicas  .  um rumor no arvoredo


grandes amores: a thing of beauty is a joy forever . grandes amores . abraços . Afta . árvores . cat powa . colectânea de explicações avulsas da língua portuguesa  .  declaração de amor a um objecto . declaração de amor a uma cidade . desolação magnífica . divas e heróis . down the rabbit hole . drogas duras . drogas leves . esqueletos no armário . filmes . fotografia . geometrias . heart of darkness . ilustraçãoinício . matéria solar . mitologias . o mar . os livros . pintura . poesia . sol nascente . space is the place . the creatures inside my head . Twin Peaks . us people are just poems . verão  .  you're the night, Lilah


do quotidiano: achados imperdíveis . acidentes quotidianos e outros desastres . blogspotting . carpe diem . celebrações . declarações de emergência . diz que é uma espécie de portfolio . férias  .  greves, renúncias e outras rebeliões . isto anda tudo ligado . livro de reclamações . moleskine de viagem . níveis mínimos de suporte de vida . o existencialismo é um humanismo . só estão bem a fazer pouco


nomes: Aimee Mann . Al Berto . Albert Camus . Ana Teresa Pereira  . Bauhaus . Bismarck . Björk . Bond, James Bond . Camille Claudel . Carlos de Oliveira . Corto Maltese . Edvard Munch . Enki Bilal . Fight Club . Fiona Apple . Garfield . Giacometti . Indiana Jones . Jeff Buckley  .  Kavafis . Klimt . Kurt Halsey . Louise Bourgeois . Malcolm Lowry . Manuel de Freitas . Margaret Atwood . Marguerite Duras . Max Payne . Mia Couto . Monty Python . Nick Drake . Patrick Wolf  .  Sophia de Mello Breyner Andresen . Sylvia Plath . Tarantino . The National . Tim Burton


os outros: a natureza do mal . amigos . dedicatórias . em busca da límpida medida . retalhos e recortes



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...it's full of stars...


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