quinta-feira, 11 de dezembro de 2008



relapso


.


era uma vez
um esgoto com três desgostos
um para cada ventrículo
e mais um
que já não cabia no coração
um dia veio um royal flush
foram-se os desgostos
ficou o espaço livre
acabou-se o esgoto
agora é só
um coração.


fim






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posted by saturnine | 02:26 | 1 Comentários


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segunda-feira, 11 de agosto de 2008



of course it hurts when buds burst *




©




quando dormia, e se por acaso o sono se lhe agitava, revirando-se na cama em busca do lugar mais propício ao sossego, acontecia-lhe por vezes uma dor fina, aguda, ora quase imperceptível, ora dilacerante, vinda de lugar nenhum que lhe fosse conhecido, do fundo das entranhas. como se de algo extremamente improvável se tratasse, uma adaga que explorasse a fundo os meandros do seu corpo, nenúfares que desabrochassem no interior do peito.** um dia, uma dor grave, funda, levou-a ao médico, acreditando que se tratava de uma angina. angor pectoris.
o resultado da investigação provou ser bem outro: um coração de vidro. frio, translúcido, frágil. por vezes, durante a noite, uma agitação profunda provoca um desequilíbrio, um estremecimento. o corpo tomba inadvertidamente, desastrosamente, sobre o lado esquerdo. o coração desfaz-se em mil cristais afiados como estiletes. é por isso que, nessas noites, o peito dói e sangra e geme, como se mãos invisíveis cortassem, fio a fio, o tecido vivo do tórax.
a tarefa das manhãs é a da reconstrução. aprender, porque não pode ser de outro modo, o ofício de costureira: refazer, fio a fio, o tecido desfeito da caverna torácica. como quem reconstrói um templo devastado, lentamente, pedra a pedra, suportando a agrura. depois, o ofício de vidreiro: fundir a matéria vítrea do coração, juntar os cacos, liquefazê-los, ter esperança na fidelidade da réplica. executar, passo a passo, a metódica tarefa de aprender a morrer, para depois (re)nascer. ao longo dos anos, o coração de vidro adquiriu uma coloração avermelhada, sanguínea. a cada noite, parece que a mancha vermelha cresce, aumenta, quase ocupa o espaço todo. diz o médico que é vidro tingido, recozido, manchado, ping, ping, uma gota por cada ferida, uma ferida por cada estilhaço, nas noites em que uma agitação profunda fez revolver um corpo numa cama jogando-o em inevitável desequilíbrio, por fim tombando sem cuidado sobre o lado esquerdo, onde o peso inteiro esmaga um pequeno orgão frágil como uma jóia, que se estilhaça, cortando a fundo pela substância do sono com uma dor fina, aguda, de flor nocturna que desabrocha no espaço insuficiente de um peito.






* Karin Boye
** Boris Vian, A Espuma dos Dias

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posted by saturnine | 22:49 | 0 Comentários


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sábado, 24 de maio de 2008



more news from nowhere #1


quis o destino que durante seis dias não houvesse folgas nem net. muito sofreu este meu pobre coração entupido, que transbordava de coisas para dizer. o destino era cruel e nem os moleskines tiveram direito a sair da bolsa e ver o mundo. também, por estes dias, não há muito que ver. outono em Maio, chuva a desmentir diariamente a nossa promessa de acreditarmos sempre na primavera, as pessoas, sempre estúpidas e idiotas por toda a parte, particularmente adeptas da cultura pimba da catedral comercial. man, quase me esqueci neste tempo como é que se faz para descansar. respirar. já não sei como é. preciso de explicações para o batimento cardíaco.





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posted by saturnine | 17:05 | 4 Comentários


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segunda-feira, 19 de maio de 2008



O ponto de vista dos demónios #29




Bonnie "Prince" Billy | The Letting Go



nesta noite algo de extraordinário aconteceu. estávamos num camarote, num balcão, a uma distância que a memória (turva) torna cada vez mais funda, mais imprecisa - mais distante. eu quis gritar qualquer coisa. um pedido, um suspiro, um anseio. mas havia um assombro que tomava secretamente conta de todos os espaços, de imediato me pôs a mão crispada no braço, segurou-me pela garganta: onde pensas que vais, criatura? eu pensava que ia nas asas do desejo. mas fui atirada contra um precipício sem fundo, algo só muito vagamente parecido com as pessoas no chão abaixo de mim, e não, não é a isto que deve saber o voo. era mais uma pequena morte, eu juro que morri ali durante 2 minutos e ainda hoje não sei que sopro me devolveu à vida. caí, circularmente, interminavelmente, até não saber mais por onde cair. quando a dor é grande, os nervos são os primeiros a evadir-se em colapso instantâneo. depois é a vez dos músculos, que petrificam, atraiçoam o gesto previsto. o coração dispara, olha como corre furioso em direcção a lugar nenhum. quem poderia sustê-lo, assim em fuga? pára, regressa, onde vais, coração? subitamente, o corpo é um túmulo. a música, por momentos, eclipsa-se. só com muita dificuldade poderia ousar recordar o que ouvi. a respiração, suspensa, regressa em súbitas emergentes sôfregas golfadas. must - have - a-i-r. o que aconteceu ali (se não foi um encontro com deus ou os seus demónios), pode ter sido o que Bonnie "Prince" Billy cantava:


"Turning half the heart into something hard and dark"



The Letting Go
é um disco extraordinário. demorou a conquistar-me. precisei de estar naquela sala, a ouvir aquelas canções, para me convencer que a voz de Dawn McCarthy era uma benção. da matéria das coisas inexplicáveis, miraculosas, próximas da impossibilidade da perfeição, o título deste disco tem origem num poema. e não pode ser por acaso - não pode - que seja um poema sobre colapso dos nervos, músculos que atraiçoam, corpo que se faz túmulo:



After great pain, a formal feeling comes —
The Nerves sit ceremonious, like Tombs —
The stiff Heart questions was it He, that bore,
And Yesterday, or Centuries before?

The Feet, mechanical, go round —
Of Ground, or Air, or Ought
A Wooden way
Regardless grown,
A Quartz contentment, like a stone —

This is the Hour of Lead —
Remembered, if outlived,
As Freezing persons, recollect the Snow —
First — Chill — then Stupor — then the letting go


Emily Dickinson






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posted by saturnine | 14:48 | 6 Comentários


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sexta-feira, 18 de abril de 2008



on being the woman who could not live with her faulty heart


foi a lebre que me serviu o prato. o mundo passou a fazer subitamente muito mais sentido desde o dia em que Margaret Atwood passou a constar do meu livro de citações internas de emergência. assumi um epíteto.

há uma certa ordem subjacente a todas as coisas, incluindo ao caos de uma vida, tudo espera o momento para se revelar e em cada revelação, ao olho atento, se mostram as intricadas ramificações de ligações que atribuem significância ao universo em redor. há uma luta corpo-a-corpo, de dentro para fora e de fora para dentro, de um corpo consigo próprio. uma sucessão truculenta de mútuos ataques, investidas, atraiçoamentos, reconciliações. em pano de fundo, existe a morte, muda, silenciosa, impenetrável, mediadora: é, pois, uma luta até à morte.

este é o meu objecto de estudo (e a Margaret Atwood enuncia-o). para efeitos de elucubração neste post, nomeio-me primeira cientista das poéticas corporais.

o que eu não sabia, então, é que há poemas que têm duas cabeças* e eu tinha ainda uma para descobrir. finalmente, chegou-me isto pelo correio:




e assim, eu, que não consigo viver com o meu coração defeituoso, constato:



The Woman Makes Peace with Her Faulty Heart

It wasn't your crippled rhythm
I could not forgive, or your dark red
skinless head of a vulture.

but the things you hid:
five words and my lost
gold ring, the fine blue cup
you said was broken
that stack of faces, gray
and folded, you claimed
we'd both forgotten,
the other hearts you ate,
and all that discarded time you hid
from me, saying it never happened.

There was that, and the way
you would not be captured,
sly featherless bird, fat raptor
singing your raucous punctured song
with your talons and your greedy eye
lurking high in the molten sunset
sky behind my left cloth breast
to pounce on strangers.

How many times have I told you:
The civilized world is a zoo,
not a jungle, stay in your cage.
And then the shouts
of blood, the rage as you threw yourself
against my ribs.

As for me, I would have strangled you
gladly with both hands,
squeezed you closed, also
your yelps of joy.

Life goes more smoothly without a heart,
without that shiftless emblem,
that flyblown lion, magpie, cannibal
eagle, scorpion with its metallic tricks
of hate, that vulgar magic,
that organ the size and color
of a scalded rat,
that singed phoenix.

But you've shoved me this far,
old pump, and we're hooked
together like conspirators, which
we are, and just as distrustful.
We know that, barring accidents,
one of us will finally
betray the other; when that happens,
it's me for the urn, you for the jar.
Until then, it's an uneasy truce,
and honor between criminals
.


Margaret Atwood in *Two-Headed Poems






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terça-feira, 4 de março de 2008



final cut: último exercício de anatomoescatologia


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afinal
era só
um único desgosto
grande irremediável
dorido sangrador
comeu o espaço todo
agora
nem esgoto
nem coração.






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quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008



segundo exercício de anatomoescatologia


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tenho afinal
três grandes desgostos
mas não tenho
três ventrículos
que os esgotem

para tudo o que falha e dói
não basta um só coração.






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posted by saturnine | 01:07 | 4 Comentários


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lunar caustic


a tristeza tem qualquer coisa de lunar caustic - que é nitrato de prata e mancha a pele de negro. à volta dos olhos, a minha pele escurece e afunda-se, enquanto eu empalideço em olheiras vivas, palpitantes. eu desapareço dentro dessas olheiras onde a tristeza cartografa os seus lugares. de tudo o que perder, hão-de ser os olhos os primeiros a apodrecer. porque os olhos carregam a culpa de tudo o que choram e de tudo o que não choram. é como dizer: eu não aguento a desordem estuporada da vida. é como dizer: eu não aguento este buraco crescente, flor nocturna que desabrocha, mastiga, rói, que me consome toda a caverna do peito a partir do centro-esquerdo.





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sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008



exercício de anatomoescatologia


tenho dois grandes desgostos
felizmente cabem
em dois grandes esgotos
um esquerdo outro direito
nos dois ventrículos
um para cada metade do coração






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quarta-feira, 12 de dezembro de 2007



Fazer das tripas coração #2


um lugar com excesso de música, com excesso de imagens, converte-se lentamente num imperceptível desaparecimento: excesso de silêncio, escassez de palavras. há um virar para dentro próprio do cansaço, e das horas insuficientes para que repouse e assente e serene interiormente a amálgama ruidosa dos dias. olho para os cadernos, de páginas vazias, e finjo que escrevo. leio à luz de uma fraca lâmpada eléctrica livros adiados, companhia inexorável das noites longas, em que resistem frios os pés sob os cobertores. Thomas Bernhard e Ana Teresa Pereira, sem querer, aproximam-me de quem me quero esquecer. o ponto de vista dos demónios é, afinal, por todo o lado. ao lado da cama, aguarda-me pacientemente Boris Vian, esse Arranca-Corações. parece-me adequado, quando se sofre com o desabrochar de nenúfares no peito, e se escreve então incisivamente, como quem arranca à matéria do corpo esse naco de carne dorido e infeliz.





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sexta-feira, 7 de dezembro de 2007



Fazer das tripas coração: o post redundante


deslocar todo o peso do corpo
sobre o lado esquerdo da noite
um afogamento de sangue torcendo
pelo esmagamento do coração








diz que é uma espécie de exposição.

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sábado, 24 de novembro de 2007



Love Is (The Only Weapon With Which I've Got To Fight) *


hoje vou fazer da noite um lugar com Carlos de Oliveira. não conseguirei dormir, uma certa tristeza me pesará sobre o lado esquerdo da alma. sobre esse lado me deitarei e com o peso do corpo torcerei pelo esmagamento do coração.



* Odawas




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para os mais distraídos, este é o Carlos de Oliveira:

«De vez em quando a insónia vibra com a nitidez dos sinos, dos cristais. E então, das duas uma: partem-se ou não se partem as cordas tensas da sua harpa insuportável.
No segundo caso, o homem que não dorme pensa: "o melhor é voltar-me para o lado esquerdo e assim, deslocando todo o peso do sangue sobre a metade mais gasta do meu corpo, esmagar o coração."»






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domingo, 11 de novembro de 2007



níveis mínimos de suporte de vida


an exercise on how to disappear completely


coração:
ainda não é hoje
que vais
sossegar




o mundo avança ainda: só eu caí noutro lugar qualquer
onde os afectos e as memórias se desfazem
e diluem



já dizia o Zé Artur:


even though I'm here
you know that I'm already gone




coração:
quão espaçadamente soluças
como se te esquecesses
de bater.






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segunda-feira, 29 de outubro de 2007



us people are just poems


dizer de um livro:
como um corpo
carregando
a anatomia íntima
das palavras


era noite escura
tinha os pés frios
uma boca cravada sobre o esterno
na mesinha de cabeceira
a companhia incendiária de Al Berto
no chão a caixa vermelha
das preciosidades

um gesto imprudente atira
para o vazio
a minha aflição
desajeitada

caiu-me o Medo
para dentro do poço do coração.






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domingo, 21 de outubro de 2007



O ponto de vista dos demónios #27


aquele velho canto escuro
que tudo sabe tudo vê
espreita
a amálgama nervosa de um peito
dorido habitáculo
de uma flor nocturna

o seu olho agudo
conhece
o lugar exacto do medo
_e o peito desaba
a partir do centro_

a esponja vermelha da espera
suga devora engole
o corpo inteiro
a partir do esterno.






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posted by saturnine | 05:24 | 6 Comentários


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terça-feira, 9 de outubro de 2007



The ballad of broken men (and I am also a broken man¹)


foi o Townes Van Zandt - ou o documentário "Be Here to Love Me" - que me levou até à imagem persistente do botão que é apertado: o filho mais velho, em entrevista posterior à morte do pai, testemunha que ele era aquele tipo de gajo fodido que conhecia muito bem os botões mais frágeis de cada pessoa. e depois apertava-os com muita força. ¤
o melhor de uma ideia é quando é suficientemente táctil para imprimir-se de imediato na memória segundo a clareza das imagens. algo se me afigurou absolutamente claro e evidente nesse momento: a metáfora do corpo enquanto acordeão. todo ele maleável, respiratório, coberto de botões à espera de ser apertados, para que através da música se afirme a sua razão de ser.
uma ideia persistente é também uma ideia resistente, que nunca cessa de (re)construir-se em pano de fundo. uma ideia fértil é uma ideia sem fim à vista. à semelhança da comida que fica a trabalhar no estômago (de certeza explorada e mal paga), a mim ficam-me as ideias a trabalhar na cabeça, gerando imagens sucessivas.
a tal ponto que eu, que como a Ramona A. Stone² sou uma artista e que, como tal, persigo métodos de investigação puramente intuitivos, líricos, caóticos, e que, por conseguinte, não percebo nada de métodos científicos (triste sorte!), me sinto quase capaz de anotar evidências e enumerar a Primeira Lei da Metáfora do Corpo Enquanto Acordeão:


primeira evidência: o pedal da embraiagem, quando pressionado com o pé, apenas desembraia o motor, permitindo mover a alavanca da caixa de velocidades; é apenas quando é libertado da pressão do pé que se processa a embraiagem do motor, passando a efeito a acção de mudança de velocidade;

segunda evidência: perante um ferimento de bala, ou semelhante, frequentemente o corpo humano alberga essoutro corpo estranho como garantia de sobrevivência, mantendo a vida sustentável num precário equilíbrio; é no momento da extracção do corpo estranho que se desencadeia a hemorragia que poderá ser fatal ao corpo humano que o alberga.

terceira evidência: no caso de alguns botões - como os que servem a função de ligar e desligar electrodomésticos diversos, como os rádios e televisores -, a pressão por si só não opera qualquer efeito no aparelho; a acção pretendida de ligar/desligar o aparelho só produz efeito no momento em que o respectivo botão é largado.


Primeira Lei da Metáfora do Corpo Enquanto Acordeão: a infelicidade, a dois, é uma forma deficiente e imperfeita da felicidade. o que dói não é o que tu me fazes - enquanto fazes, afirmas-te presente; é quando te vais embora, quando removes o dedo do botão que sustenta o caudal hemorrágico da minha ferida, que passa a doer o que tu me fizeste - afirmação pretérita da tua ausência.






© Tim Burton




¹ Segue: Algeria Touchshriek | David Bowie, Outside
² Segue: Ramona A. Stone | David Bowie, Outside






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posted by saturnine | 00:18 | 14 Comentários


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sábado, 6 de outubro de 2007



Em vagas, como a respiração


ao longo dos tempos, só uma (exteriormente) imperceptível respiração interna permitiu uma sustentação ritmada na desordem, e o crescimento de uma certa forma de escrita - ou devo dizer antes expressão? - enquanto exercício lírico-estético-acessório-whatever. não sei existir senão em permanente metamorfose - e será apenas por isso que por estes dias o leitor desatento poderia confundir este com um blog de música. e porque eu não quereria defraudar os mal-entendidos de ninguém, prossigo: isto vai para aqui uma grande confusão. definitivamente Cat Power fala-me ao coração. mas hoje, ao ouvir pela primeira vez a banda sonora de Speaking for Trees, absolutamente encantada, não consigo deixar de pensar que estou a ouvir a Fiona Apple. não me vou aventurar nas explicações, porque isto é certamente coisa da minha cabeça (curiosamente, a Fiona diria "he said it's all in your head, and I said so's everything") sem justificação possível. o que é absolutamente certo é que

a) Willie Deadwilder preenche (os únicos) 18 minutos desta banda sonora de Speaking for Trees e é tão belíssima quanto imprescindível;

b) há qualquer coisa de comum entre a Chan e a Fiona e eu provavelmente poderia resumi-lo numa única magnífica designação: Extraordinary Machine.



o que eu gosto é do potencial simbólico de extraordinary machine enquanto metáfora do corpo: numa perspectiva da anatomia, e numa perspectiva dos afectos. portanto, extraordinary machine enquanto anatomia dos afectos. quando a Fiona canta "be kind ot me or treat me mean/ I'll make the most of it, I'm an extraordinary machine" é quase como quando o Bill Callahan afirma: "I am a rock bottom riser". o que me leva a crer que - alerta para o segundo cliché do dia! - isto anda tudo ligado. um corpo que arde, falha e dói, e mesmo assim se maravilha, perante o assombro do mundo. espanto perante o milagre da sobrevivência. o sacrifício da sobrevivência. quem regressa, é sempre outro - já não volta, vem de novo.






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quinta-feira, 20 de setembro de 2007



Isto anda tudo ligado


o sentido que faz falar em funções corporais, na voz de uma tal woman who could not live with her faulty heart, é o de nos colocarmos, inequívocos, perante a pergunta:


(...)
se o corpo por si
falha e dói
para que queremos ainda
a invenção do amor?

.




representa, acima de tudo, a possibilidade de nos defrontarmos, vezes e vezes sem conta, com um certo canto escuro que nos olha e tudo sabe, e que interrompe ocasionalmente o seu sono para nos chamar, como dois braços esticados na escuridão. poucas coisas confrangem tanto como a evidência de um corpo que falha, adoece e dói.





Oh, just want to push somebody
Your body won't let you
Just want to move somebody
Body won't let you
You want to feel somebody
Body won't let you
Who, who, who do you talk to?
Who do you talk to?
Who do you talk to?
When your body's in trouble
The body's in trouble
The body's in trouble
When your body's in trouble, who?

Oh, you just want to run somebody
And a body won't let you
You want to let somebody
And a body won't let you
You just want to kiss somebody
You want to feel somebody
And a body won't let you
Oh who, oh who, who do you talk to?
Who do you talk to?
Who, who do you talk to?
Oh, who do you talk to?
When a body's in trouble
Oh, the body's in trouble
Who who who do you talk to?
Oh who oh who oh who
who, who

Oh you just want to take somebody
Your body won't let you
You just want to, want to hear somebody
And a body won't let you
You just want to ride somebody
Oh a body won't let you
Who do you talk who, who do you talk to?
Who do you talk to? Who?
When a body's in trouble, a body's in trouble
When a body's in trouble, in trouble, in trouble
When a body's in a trouble
Oh, when a body's in trouble
Who who who do you talk to?
Oh who oh who oh


Mary Margaret O'Hara | Body's in trouble




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silence is definitely sexy





Einstürzende Neubauten | In Circles



tudo o que eu teria a dizer sobre as minhas funções corporais
:




beauty remains in the impossibilities of the body.







I wish this would be your colour:


rouge est la couleur du sang * Louise Bourgeois



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segunda-feira, 5 de fevereiro de 2007



Das funções corporais


o problema nunca é exactamente a falta de outro corpo: é o corpo próprio que não se basta a si mesmo.



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posted by saturnine | 02:11 | 3 Comentários


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spot player special




"us people are just poems"
[ani difranco]


*

calamity.spot[at]gmail.com



~*. through the looking glass .*~




little black spot | portfolio
Baucis & Philemon | tea for two
os dias do minotauro | against demons
menina tangerina | citrus reticulata deliciosa
the woman who could not live with her faulty heart | work in progress
pale blue dot | sala de exposições
o rosto de deus | fairy tales








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~*. rearview mirror .*~


maio 2003 . junho 2003 . julho 2003 . agosto 2003 . setembro 2003 . outubro 2003 . novembro 2003 . dezembro 2003 . janeiro 2004 . fevereiro 2004 . março 2004 . abril 2004 . maio 2004 . junho 2004 . julho 2004 . agosto 2004 . setembro 2004 . outubro 2004 . novembro 2004 . dezembro 2004 . janeiro 2005 . fevereiro 2005 . março 2005 . abril 2005 . maio 2005 . junho 2005 . julho 2005 . agosto 2005 . setembro 2005 . outubro 2005 . novembro 2005 . dezembro 2005 . janeiro 2006 . fevereiro 2006 . março 2006 . abril 2006 . maio 2006 . junho 2006 . julho 2006 . agosto 2006 . setembro 2006 . outubro 2006 . novembro 2006 . dezembro 2006 . janeiro 2007 . fevereiro 2007 . março 2007 . abril 2007 . maio 2007 . junho 2007 . julho 2007 . agosto 2007 . setembro 2007 . outubro 2007 . novembro 2007 . dezembro 2007 . janeiro 2008 . fevereiro 2008 . março 2008 . abril 2008 . maio 2008 . junho 2008 . julho 2008 . agosto 2008 . setembro 2008 . outubro 2008 . novembro 2008 . dezembro 2008 . janeiro 2009 . fevereiro 2009 . março 2009 . abril 2009 . maio 2009 . junho 2009 . julho 2009 . agosto 2009 . setembro 2009 . outubro 2009 . novembro 2009 . dezembro 2009 . janeiro 2010 . fevereiro 2010 . março 2010 . maio 2010 . junho 2010 . julho 2010 . agosto 2010 . outubro 2010 . novembro 2010 . dezembro 2010 . janeiro 2011 . fevereiro 2011 . março 2011 . abril 2011 . maio 2011 . junho 2011 . julho 2011 . agosto 2011 . setembro 2011 . outubro 2011 . janeiro 2012 . fevereiro 2012 . março 2012 . abril 2012 . maio 2012 . junho 2012 . setembro 2012 . novembro 2012 . dezembro 2012 . janeiro 2013 . janeiro 2014 . julho 2015 .


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~*. spying glass .*~


a balada do café triste . ágrafo . albergue dos danados . almanaque de ironias menores . a natureza do mal . animais domésticos . antologia do esquecimento . arquivo fantasma . a rute é estranha . as aranhas . as formigas . as pequenas estruturas do ócio . atelier de domesticação de demónios . atum bisnaga . auto-retrato . avatares de um desejo . baggio geodésico . bananafish . bibliotecário de Babel . bloodbeats . caixa-de-lata . casa de cacela . chafarica iconoclasta . coisa ruim . com a luz acesa . comboio de fantasmas . complicadíssima teia . corpo em excesso de velocidade . daily make-up . detective cantor . dias com árvores . dias felizes . e deus criou a mulher . e.g., i.e. . ein moment bitte . em busca da límpida medida . em escuta . estado civil . glooka . i kant, kant you? . imitation of life . isto é o que hoje é . last breath . livros são papéis pintados com tinta . loose lips sink ships . manuel falcão malzbender . mastiga e deita fora . meditação na pastelaria . menina limão . moro aqui . mundo imaginado . não tenho vida para isto . no meu vaso . no vazio da onda . o amor é um cão do inferno . o leitor sem qualidades . o assobio das árvores . paperback cell . pátio alfacinha . o polvo . o regabofe . o rosto de deus . o silêncio dos livros . os cavaleiros camponeses no ano mil no lago de paladru . os amigos de alex . Paris vs. New York . passeio alegre . pathos na polis . postcard blues . post secret . provas de contacto . respirar o mesmo ar . senhor palomar . she hangs brightly . some variations . tarte de rabanete . tempo dual . there is only 1 alice . tratado de metatísica . triciclo feliz . uma por rolo . um blog sobre kleist . vazio bonito . viajador


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~*. the bell jar .*~



os lugares comuns: against demons . all work and no play . compêndio de vocações inúteis  .  current mood . filosofia e metafísica quotidiana . fruta esquisita menina aflita . inventário crescente de palavras mais-que-perfeitas . miles to go before I sleep . música no coração  .  música para o dia de hoje . o ponto de vista dos demónios . planos para dominar o mundo . this magic moment  .  you came on like a punch in the heart . you must believe in spring


egosfera: a infância . a minha vida dava um post . afirmações identitárias . a troubled cure for a troubled mind . april was the cruellest month . aquele canto escuro que tudo sabe . as coisas que me passam pela cabeça . fruto saturnino (conhecimento do inferno) . gotham style . mafarricar por aí . Mafia . morto amado nunca mais pára de morrer . o exílio e o reino . os diálogos imaginários . os infernos almofadados . RE: de mail . sina de mulher de bandido . the woman who could not live with her faulty heart . um lugar onde pousar a cabeça   .  correio sentimental


scriptorium: (des)considerações sobre arte . a noite . and death shall have no dominion . angularidades . bicho escala-estantes . do frio . do medo . escrever . exercícios . exercícios de anatomia . exercícios de respiração . exercícios de sobrevivência . Ítaca . lunário . mediterrânica . minimal . parágrafos mínimos . poemas . poemas mínimos . substâncias . teses, tratados e outras elocubrações quase científicas  .  um rumor no arvoredo


grandes amores: a thing of beauty is a joy forever . grandes amores . abraços . Afta . árvores . cat powa . colectânea de explicações avulsas da língua portuguesa  .  declaração de amor a um objecto . declaração de amor a uma cidade . desolação magnífica . divas e heróis . down the rabbit hole . drogas duras . drogas leves . esqueletos no armário . filmes . fotografia . geometrias . heart of darkness . ilustraçãoinício . matéria solar . mitologias . o mar . os livros . pintura . poesia . sol nascente . space is the place . the creatures inside my head . Twin Peaks . us people are just poems . verão  .  you're the night, Lilah


do quotidiano: achados imperdíveis . acidentes quotidianos e outros desastres . blogspotting . carpe diem . celebrações . declarações de emergência . diz que é uma espécie de portfolio . férias  .  greves, renúncias e outras rebeliões . isto anda tudo ligado . livro de reclamações . moleskine de viagem . níveis mínimos de suporte de vida . o existencialismo é um humanismo . só estão bem a fazer pouco


nomes: Aimee Mann . Al Berto . Albert Camus . Ana Teresa Pereira  . Bauhaus . Bismarck . Björk . Bond, James Bond . Camille Claudel . Carlos de Oliveira . Corto Maltese . Edvard Munch . Enki Bilal . Fight Club . Fiona Apple . Garfield . Giacometti . Indiana Jones . Jeff Buckley  .  Kavafis . Klimt . Kurt Halsey . Louise Bourgeois . Malcolm Lowry . Manuel de Freitas . Margaret Atwood . Marguerite Duras . Max Payne . Mia Couto . Monty Python . Nick Drake . Patrick Wolf  .  Sophia de Mello Breyner Andresen . Sylvia Plath . Tarantino . The National . Tim Burton


os outros: a natureza do mal . amigos . dedicatórias . em busca da límpida medida . retalhos e recortes



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...it's full of stars...


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