domingo, 24 de julho de 2011



Like spinning plates


Tento não pensar demasiado naquilo que as pequenas coisas dizem de nós, mas a verdade é que teço longas conjecturas sobre o facto de os meus discos externos terem os nomes VIRGINIA WOOLF e SYLVIA PLATH.





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domingo, 3 de julho de 2011



Down, down, down... Would the fall never come to and end?


Alice in Wonderland é, possivelmente, o livro mais pefeito de sempre. Relê-lo, trelê-lo, à medida que o tempo avança, vai revelando camadas sucessivas de interpretação. Percebe-se, por exemplo, que a infância é um território paradoxal, que, não obstante o facto de todos dele provirmos, se torna mais cada vez desconhecido, mais misterioso, à medida que dele nos afastamos. A raiz do medo, que se converte em insónia, no conhecimento do inferno, no terror assombrado dos dias povoados de demónios, tem origem nos lugares profundos dos quais a memória se destaca. Crescer é uma espécie de reencontro. Quando a fantasia se converte ela mesma em metafísica, e na metáfora aparentemente pueril se encontra o consolo de um sentido verdadeiramente existencial.






© Benjamin Lacombe







'Would you tell me, please, which way I ought to go from here?'
'That depends a great deal on where you want to get to', said the Cat.
'I don't much care where -' said Alice.
'Then it doesn't matter which way you go', said the Cat.






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posted by saturnine | 13:56 | 0 Comentários


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A imagem do artista atormentado foi ficando progressivamente demodé depois do romantismo. O artista do século XX é o homem pleno, realizado. Valeu-nos, se calhar, a psicanálise, ou o bom senso, para perceber que a miséria e o sofrimento não alimentam, por si só, a raiz da obra de arte. Ainda que Jean Genet seja um caso a considerar, e não se possa contrariá-lo de ânimo leve quando diz que «na origem da beleza está unicamente a ferida». O que se passa é que ao artista é sempre favorável a ausência da fome, da pobeza, da enfermidade. À criação, é favorável uma certa serenidade que deriva do atenuar progressivo de uma inflamada angústia existencial. O homem sereno, em paz consigo prórpio, reune as melhores condições para criar. A ironia - filha da puta, como sempre - reside no facto de, na supressão dessa angústia de existir, se lhe secarem as razões que justificam a criação - toda ela uma certa forma de exorcismo. De que lhe serve a maturidade, quando não há mais demónios para domesticar?





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sexta-feira, 10 de junho de 2011



A thing of beauty is a joy forever


Sendo verdade que o little black spot nunca foi um blog político, por outro lado sempre quis ser um blog espacial - não é especial, é mesmo espacial. Como eu, que quando fosse grande queria ser astronauta (o que nunca foi uma boa solução para a agorafobia).


Uma das grandezas do Tree of Life, de Terrence Malick, reside na eloquência do indizível. A certeza de uma transcendência, que pode ser traduzida em fábula religiosa, ou em puro espanto cósmico. Eu prefiro o caminho do silêncio reverente. A mera existência espanta-me. A improbabilidade de eu ter um corpo, que respira, que pulsa, que pensa, e que é feito exactamente da mesma matéria que todo o resto do universo. Muito antes de me ter interessado sobre os factos da vida quotidiana, já sabia de cor o nome de meia dúzia de objectos do catálogo de Messier. Ainda hoje, a mera contemplação de algo assim só me faz ter vontade de chorar:






M42, NGC 1977 (Orion Nebula)
© Antonio Torres






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sexta-feira, 7 de janeiro de 2011



Post Scriptum


Ainda assim, é um equilíbrio tão precário, a sobrevivência. Uma trégua arrebatada à força de dentes e unhas, que não esconde o pavor do desmoronamento. É como jogar à cabra-cega com os velhos demónios - raios os partam, a gente ganha, mas eles continuam a jogar. Por isso, para que esta noite não lhes pertença, cerro punhos e ranjo dentes e não cedo à tentação: ia buscar uma outra música do Robert Forster, uma que me dói muito, porque na verdade me apetecia massacrar um bocadinho as velhas feridas, mas acabei por trazer esta:






Robert Forster | Let your light in, baby






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A pedra mínima do ponto de vista de Bartleby


É verdade que a construção de um "eu" literário não ocorre sem solavancos, ou surpresas inesperadas, súbitos acessos de vergonha, ou rasgos de imprevisível admiração. Não somos sempre aquilo que já fomos, e nem sempre os lugares familiares nos pertencem para sempre.

À força de tanto massacrar o lugar da ferida (oh, a insistência na persistência da memória...), a pele inesperadamente endurece, impermeabiliza-se: cicatriza. Não se deixa massacrar. A fina sensibilidade que permite uma devoção sem par ao género poético pode tender, num primeiro momento deste exercício de sobrevivência, a incitar a um gesto de recusa: a minha pedra polida, perfeita e minimal, tornou-se tão mínima, tão mínima, que quase se evaporou. A poesia existe algures dentro do meu corpo apenas como um grão de areia, indelével, mas vagamente imperceptível.

A minha pele endureceu e eu não consigo manusear a subtileza dos versos como antes. Gosto de outras coisas. Gosto menos da escrita como agressão. É como o Bartleby, também prefiro de não. As palavras já não encenam, a cada momento uma pequena morte. São outra coisa. São uma coisa qualquer à procura de nome, à procura de lugar. Nos últimos tempos, o grande silêncio em que a exaustão me levou a mergulhar quase me levou a crer que se extinguira em mim qualquer coisa: a capacidade de dizer, a acapacidade de ser.

Mas está tudo lá, de novo inesperadamente: o universo inteiro no meu grão de areia. A poesia volta toda a fazer sentido quando regressa ao lugar do fascínio e da aprendizagem inicial: em tempos de desordem, angústia e terror, o sono não possui qualquer domínio. O medo, contudo, não soçobra, pois por aqui já aprendemos a rodear-nos de bom juju. A límpida medida de Sophia de Mello Breyner Andresen sublinha a razão por que consigo atravessar, a custo, o deserto da insónia:




Para atravessar contigo o deserto do mundo
Para enfrentarmos juntos o terror da morte

Para ver a verdade para perder o medo
Ao lado dos teus passos caminhei

Por ti deixei meu reino meu segredo
Minha rápida noite meu silêncio
Minha pérola redonda e seu oriente
Meu espelho minha vida minha imagem
E abandonei os jardins do paraíso

Cá fora à luz sem véu do dia duro
Sem os espelhos vi que estava nua
E ao descampado se chamava tempo

Por isso com teus gestos me vestiste
E aprendi a viver em pleno vento






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segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010



da sobrevivência como um exercício de estilo


tenho-me deparado com um problema que me tem tirado uma boa quota parte do sono que por estes dias tenho perdido. é um problema de estilo que ainda não consegui resolver e portanto, como será evidente, um problema gravíssimo. trata-se da falta de uma expressão adequada que designe um estado desadequado. vejamos: sofrer de um mal psicossomático é a coisa mais simples do mundo. quase toda a gente que conheço não regula bem da cabeça e, portanto, funciona assim. a cabeça é fodida e dá cabo do corpo sempre que pode. o problema é que eu sou o inverso - não somatizo no meu pobre corpinho as dores da alma, mas, de forma assertiva e categórica, as dores do corpinho fustigam-me a alma até à depressão. o problema é quase epistemológico. eu não tenho um nome para a natureza deste estado. como é que é um psicossomático ao contrário?





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sexta-feira, 29 de janeiro de 2010



da vida quotidiana


a ordem de eventos










© Vimrod






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segunda-feira, 11 de janeiro de 2010



rol de pretextos perfeitamente plausíveis
para argumentar contra o real


dos mesmos Swerling & Lazar do Harold's Planet, agora o Vimrod, descoberto via A Curva da Estrada:
































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quarta-feira, 4 de novembro de 2009



o amor é bom quando é uma perdição


«Para isto dos nossos amores, de entender bem o porquê dos nossos amores, fazemos imensas perguntas existenciais quando somos mais novos e depois se tivermos juízo, ao longo da vida e sempre que coisas estranhas voltem a acontecer, aprendemos a deixar-nos levar, caladinhos que nem um rato e a ouvir de joelhos o Chet Baker. O Chet Baker que sabia muito bem o que é ficar sem Norte. O amor passa a ser, para nosso bem, igualzinho àquela música, uma espécie de Let´s get lost , isto é, um vale tudo menos tirar olhos.» | mónica marques





Chet Baker | Let's get lost





anda a acontecer-me algo do mais terrível que há: uma quase total incapacidade de expressar-me. há-de ser coisa da estação, que incita ao recolhimento, talvez. ou isso ou o corpo todo concentrado na felicidade dos dedinhos dos pés encostados a outros dedinhos. não tenho palavras. não sei explicar. o texto da Mónica Marques cai-me como ginjas e ainda por cima traz o Chet Baker dentro, que é para mim a representação mental de uma série de metáforas e memórias do prórpio amor. sublinho-o do princípio ao fim, com um grande coração em volta deste parágrafo que recortei.





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quarta-feira, 21 de outubro de 2009



caricatura


não deixa de ser irónico e muito engraçado que hoje, esperando na fila da Fnac para pagar, repare que a senhora que está à minha frente esteja a comprar nem mais nem menos do que um exemplar do Caim de José Saramago e outro da Bíblia.





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sexta-feira, 9 de outubro de 2009



um cão preguiçoso pode não ser um cão lento




há coisas que nunca conseguirei compreender. uma delas é por que raio é que a frase


The quick brown fox jumps over the lazy dog


cuja utilidade é precisamente o facto de ter sido inventada não por ser engraçada mas por conter todas as letras do alfabeto, para melhor demonstração do aspecto de uma fonte tipográfica, aparece no meu sistema operativo em português traduzida para



A rápida raposa castanha salta em cima do cão lento.


...


pá, não compreendo. não tem tem um z, não tem um b, não tem um u... já para não falar que a raposa deixa de saltar por cima do cão para saltar-lhe em cima. eu logo vi que isto tudo era mas é um esquema de malandragem. ah, ganda porca.





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terça-feira, 29 de setembro de 2009



meter o lixo debaixo do tapete


o grande e insuperável benefício da passagem dos anos é a questão da perspectiva: o abrandamento inevitável, ainda que possa assinalar uma dura transição, tem sempre a vantagem de permitir desfrutar muito mais da paisagem. e, em retrospectiva, as grandes causas já não parecem assim tão grandes. em compensação, o universo alarga-se um pouquinho mais além do círculo do próprio umbigo. digo eu, claro, que vivi fechada dentro da minha própria cabeça quase até aos 30 anos, e percebi entretanto que é fixe estar a par das coisas que acontecem no mundo à nossa volta. ainda que, na generalidade, as pessoas me aborreçam e me cause fastio a maioria das coisas que com elas se relacionam.
há que assumi-lo, é muito pouco aquilo que me desperta verdadeiro interesse... os meus livros, os meus discos, os amigos e a família, o amor, o tempo livre para não fazer a ponta de um chavo. depois, vem o trabalho que, apesar de dever ser proibido por lei, sempre ajuda a definir identidade e carácter. e vá... se não é ele próprio causador de depressão, sempre pode ajudar a escapar-lhe.isto tudo para dizer que eu era um ser extremamente parvo aos 20 anos. e já era um bocado parva na adolescência. são, portanto, muitos anos de parvoíce que eu, de bom grado, esconderia debaixo do tapete. nessa impossibilidade, surge o auxílio da perspectiva: 'estou muito mlhor agora.'

este já foi um blog de muitas coisas: de arte, de música, de livros, de astronomia, de parvoíces, de escrita, de cartoons, de correspondência sentimental, and soi on and soi on... sempre tudo ao molho e fé em dEUS. já teve 300 000 layouts diferentes, com sidebar, sem sidebar, já teve descrição e depois teve legenda, já foi tão sério que dava vontade de rir, já cometeu bloguicídio várias vezes, mas voltou sempre, já foi pateta, já foi melodramático, já foi super cool, já foi aquilo que me ia apetecendo que ele fosse. um pouco bipolar, vagamente esquizo aqui e ali, eu prefiro dizer que ecletismo é a palavra de ordem. a verdade é que estão aqui 6 anos da minha vida. este blog torna-se inequivocamente uma espécie de diário. de viagem, diria. há-de continuar, sobre tudo e sobre nada, essencialmente veículo da minha posta de pescada ocasional. afinal de contas, a minha vida dava bué de posts.





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posted by saturnine | 19:49 | 6 Comentários


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domingo, 24 de maio de 2009



seguir o fio à meada


descobri a existência de um certo e determinado Hector Abad Faciolince a propósito da recente publicação da Quetzal, "Somos o esquecimento que seremos". investigando, descobri duas traduções antigas, da Presença, de outros dois títulos: "Receitas de amor para mulheres tristes" e "Fragmentos de amor furtivo". no meu cérebro deu-se de imediato um sonoro ding-ding-ding-ding-ding-ding-ding-ding! a familiaridade sempre à espreita. comecei por arrebatar (deixar-me arrebatar?) o primeiro. para confirmar aquilo que se sabe quase sempre: a língua portuguesa é mais bonita de todas - cof cof cof - mas na hora da verdade é a espanhola que se demora pela boca como uma substância doce e viscosa como o mel, fluindo com uma musicalidade que não fica nada a dever à substância poética. o título original é bastante mais bonito: "Tratado de culinaria para mujeres tristes". lá chegaremos. por agora, sublinha-se a confirmação da familiaridade. Estas citações têm duas ou três ou dez dedicatórias:



«Dás reviraoltas ao corpo e à imaginação para afastar a tristeza. Mas quem te disse que é proibido estar triste? A verdade é que, muitas vezes, não há nada mais sensato do que estar triste; todos os dias acontecem coisas, aos outros e a nós, que não têm remédio, ou melhor, que têm esse antigo e único remédio de nos sentirmos tristes.
Não deixes que te receitem alegria, como quem prescreve uma temporada de antibióticos ou colheres de água do mar em estômago vazio. Se deixares que tratem a tua tristeza como se fosse uma perversão ou, na melhor das hipóteses, uma doença, estás perdida: além de triste, irás sentir-te culpada. E tu não tens culpa de estar triste. Não é normal que sintas dor quando te cortas? Não arde a pele se te dão uma chicotada?
Pois, do mesmo modo, o mundo, a vaga sucessão dos factos que acontecem (ou dos que não acontecem) criam um fundo de melancolia. Já o dizia o poeta Leopardi: "Tal como o ar enche os espaços entre os objectos, assim a melancolia enche os intervalos entre um prazer e outro."
Vive a tua tristeza, tacteia-a, desfolha-a aos teus olhos, molha-a com lágrimas, envolve-a em gritos ou em silêncio, copia-a em cadernos, anota-a no teu corpo, anota-a nos poros da tua pele. Pois só se não te defenderes fugirá, por momentos, para outro lugar que não o centro da tua íntima dor. (...)»


Hector Abad Faciolince, Receitas de amor para mulheres tristes





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posted by saturnine | 20:39 | 3 Comentários


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quarta-feira, 22 de abril de 2009



o apelo dos livros: parte i


há pelo menos duas categorias de livros: o livro-símbolo e o livro-objecto. a primeira categoria, referente ao imaterial, necessariamente corresponde ao livro que se dispõe a ser apropriado exclusivamente pela leitura, cuja relação que se estabelece com o leitor é fundamentalmente a do afecto pela história, pelo intangível do imaginário. a segunda, referente ao material, corresponde ao livro que encanta plenamente pelo objecto que é, para além da(s) narrativa(s) que encerra; é o livro que, através dos mecanismos da familiaridade e do reconhecimento, activa no leitor os seus botões internos que fazem aceder à comoção; dito de outro modo, trata-se do livro que nos fala nas várias dimensões de uma linguagem subjectiva que não é mais do que o mapa da nossa afectividade, e que desperta um desejo de apropriação, que tanto se refere a um desejo de posse do objecto físico, como a um desejo de integração simbólica do seu conteúdo.

tudo isto para afirmar, com pompa e circunstância, por que não me é possível, na maioria das vezes, ler livros emprestados, que pertencçam a um terceiro. é verdade que admiro em certa medida aqueles que se relacionam com os seus livros com um certo desprendimento. não sou capaz.
há temas que necessariamente procedem dessa tal linguagem subjectiva da nossa afectividade, que não é mais do que dizer que há assuntos que nos fascinam e apaixonam porque provocam o reconhecimento de uma identidade (a nossa), ao falarem-nos daquilo de que estamos predispostos a gostar. como se cada indivíduo tivesse inscrito um código genético do imaginário, que o faz reagir a estímulos específicos. o referencial da minha infância traz imprimido no seu âmago a imagem dos desertos: Sahara, A Lagoa Azul, por coincidência, dois filmes em que a Brooke Shields é protagonista.

sem que o soubesse, estava a plantar a semente que viria a favorecer, no futuro, o reconhecimento de uma ideia que os desertos simbolicamente encerram: a desolação magnífica de Buzz Aldrin, trazer a vastidão por dentro. este fascínio pelo deserto não exclui a sua parte de fascínio pelo desconhecido e pelo exótico, que necessariamente define a tendência para um certo nomadismo: o gosto pela viagem. por esse motivo, caminhei desde a infância construindo um imaginário que me preparava para me apaixonar por Bruce Chatwin, do mesmo modo que me predispunha para me apaixonar agora por Michel Onfray, hedonista convicto que, com a sua Teoria da Viagem (uma poética da geografia) resgata a filosofia do nomadismo de Chatwin e constrói ele próprio, de certo modo, uma anatomia da errância.

trata-se de um pequeno ensaio brilhante, que se saboreia e devora enquanto se lê, e que, falando dessa tal poética da geografia como uma geografia sentimental que é "o grande poema do mundo", me comoveu e apaixonou ao ponto de me deixar rendida. uma escrita de tom sensorial favorece a poética que despoleta os mecanismos do imaginário. aperitivo:


"Assim, num primeiro momento, é preciso aceitar os odores de um mercado oriental, os aromas do incenso, do açafrão ou do sândalo de um templo budista, desejar as cores alaranjadas, azuis e violeta de um pôr-de-sol no cume das dunas sarianas, acolher com benevolência o calor seco, brutal e dessecante de um deserto africano, escutar com deslumbramento os gritos dos pássaros raros ou dos macacos-uivadores, o coaxar dos sapos lerdos ou os zunidos dos élitros dos insectos tropicais, descobrir a sombra das ruelas, a frescura das ruas, a obscuridade dos túneis das cidades mediterrânicas, beber a água gelada de uma fonte medieval perdida numa cidade contemporânea, deixar a boca ser invadida pelo sabor de uma papaia, pela violência verde de um limão, pelo gosto amargo contudo caramelizado de um café do Kanyan, ou mesmo pelo tabaco egípcio perfumado com maçã ou pelo ópio chinês, sentir a textura e a porosidade das pedras tombadas de um templo siciliano por onde deambularam filósofos pré-socráticos - sentir violentamente o seu corpo existir na doçura de um instante vivido de uma forma mágica e magnífica."

Michel Onfray
Teoria da Viagem (uma poética da geografia)






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sábado, 11 de abril de 2009



auto-ajuda para intelectuais #2


a grande ironia de passear em público com um livro chamado "A Conquista da Felicidade", ainda que possamos jurar a pés juntos que saiu direitinho da secção de ensaios filosóficos, é depararmo-nos com a impossibilidade de apagar dos olhares alheios a certeza de que acabamos de sair da secção de auto-ajuda.





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quinta-feira, 9 de abril de 2009



auto-ajuda para intelectuais #1


é bem sabido que com um certo nível cultural se adquire tendencialmente a noção de um certo estatuto intelectual gerador de uma vergonha ofensiva dos manuais de sobrevivência - razão pela qual um indivíduo, quanto mais lê, menos se satisfaz com a secção de auto-ajuda das livrarias que frequenta. mas o indivíduo que lê, como qualquer outro, sofre de males e problemas que lhe acometem o espírito de angústias e preocupações, e não deixa por isso de procurar consolo nos livros. o que vale a esse indivíduo é a existência do Bertrand Russell, uma espécie de santo padroeiro dos intelectualmente superiores (cof cof cof). assim, sem vergonha nenhuma, com 80 anos de existência e ainda actual, o conhecimento de si e da natureza humana como fórmula para a conquista da felicidade:



«Há vários géneros de fadiga, mas alguns são obstáculos mais importantes à felicidade do que outros. (...)
Outra causa da fadiga, da qual quase nã nos apercebmos, é a presença de estranhos. O instinto natural do homen, como o dos outros animais, é de observar todos os estranhos da sua espécie, com o propósito de descortinar se cada um deles se comportará como amigo ou como inimigo. Esse instinto tem de ser reprimido pelos que viajam no metropolitano nas horas de maior afluência, e o resultado dessa inibição é sentirem uma raiva geral e difusa contra todos os estranhos com quem estão involuentariamente em contacto. (...) Consequentemente, quando chega ao escritório e começa o seu dia de trabalho, o empregado já tem os nervos arrasados e uma tendência para considerar a raça humana insuportável. (...)»


«A maior parte dos homens e mulheres não governam eficazmente os seus pensamentos. Quero com isto dizer que eles não podem deixar de pensar nos assuntos que os atormentam, mesmo quando nesse momento nenhuma solução lhe podem dar. (...) pensam nos problemas que os inquietam, não de forma a encontrar uma linha de conduta firme para o dia seguinte, mas nessa semidemência que caracteriza as agitadas meditações da insónia. De manhã, qualquer coisa dessa demência persiste ainda neles, obscurece-lhes o julgamento, rouba-lhes a calma, de forma que qualquer obstáculo os enfurece.»


«A inquietação é uma forma de medo e todas as formas de medo produzem fadiga. (...) Ora todo o medo aumenta se nãos e examina de perto. (...) O caminho a seguir para lutar contra toda a espécie de medo é pensar nele calma e racionalmente, mas com grande concentração, até que se nos torne absolutamente familiar. Por fim, a familiaridade elimina o terror.»


Bertrand Russell, A Fadiga
in
A Conquista da Felicidade






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domingo, 28 de dezembro de 2008



boys, u listen to your mammas


é comer a sopinha toda e tomar os remedinhos até ao fim. diz que dá saúde e faz crescer.






© married to the sea






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the holiday spirit



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quinta-feira, 25 de dezembro de 2008



that funny time of year


este ano não houve vestir de vermelho, não houve postais de Natal sanguinários, não houve basicamente nada a não ser uma grande dose de gente e mais e tempo para coisa nenhuma (man, o espírito natalício cansa!). ainda assim, o espírito festivo passou de raspão por aqui. happy holidays y'all!





© www.garfield.com






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spot player special




"us people are just poems"
[ani difranco]


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calamity.spot[at]gmail.com



~*. through the looking glass .*~




little black spot | portfolio
Baucis & Philemon | tea for two
os dias do minotauro | against demons
menina tangerina | citrus reticulata deliciosa
the woman who could not live with her faulty heart | work in progress
pale blue dot | sala de exposições
o rosto de deus | fairy tales








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~*. rearview mirror .*~


maio 2003 . junho 2003 . julho 2003 . agosto 2003 . setembro 2003 . outubro 2003 . novembro 2003 . dezembro 2003 . janeiro 2004 . fevereiro 2004 . março 2004 . abril 2004 . maio 2004 . junho 2004 . julho 2004 . agosto 2004 . setembro 2004 . outubro 2004 . novembro 2004 . dezembro 2004 . janeiro 2005 . fevereiro 2005 . março 2005 . abril 2005 . maio 2005 . junho 2005 . julho 2005 . agosto 2005 . setembro 2005 . outubro 2005 . novembro 2005 . dezembro 2005 . janeiro 2006 . fevereiro 2006 . março 2006 . abril 2006 . maio 2006 . junho 2006 . julho 2006 . agosto 2006 . setembro 2006 . outubro 2006 . novembro 2006 . dezembro 2006 . janeiro 2007 . fevereiro 2007 . março 2007 . abril 2007 . maio 2007 . junho 2007 . julho 2007 . agosto 2007 . setembro 2007 . outubro 2007 . novembro 2007 . dezembro 2007 . janeiro 2008 . fevereiro 2008 . março 2008 . abril 2008 . maio 2008 . junho 2008 . julho 2008 . agosto 2008 . setembro 2008 . outubro 2008 . novembro 2008 . dezembro 2008 . janeiro 2009 . fevereiro 2009 . março 2009 . abril 2009 . maio 2009 . junho 2009 . julho 2009 . agosto 2009 . setembro 2009 . outubro 2009 . novembro 2009 . dezembro 2009 . janeiro 2010 . fevereiro 2010 . março 2010 . maio 2010 . junho 2010 . julho 2010 . agosto 2010 . outubro 2010 . novembro 2010 . dezembro 2010 . janeiro 2011 . fevereiro 2011 . março 2011 . abril 2011 . maio 2011 . junho 2011 . julho 2011 . agosto 2011 . setembro 2011 . outubro 2011 . janeiro 2012 . fevereiro 2012 . março 2012 . abril 2012 . maio 2012 . junho 2012 . setembro 2012 . novembro 2012 . dezembro 2012 . janeiro 2013 . janeiro 2014 . julho 2015 .


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~*. spying glass .*~


a balada do café triste . ágrafo . albergue dos danados . almanaque de ironias menores . a natureza do mal . animais domésticos . antologia do esquecimento . arquivo fantasma . a rute é estranha . as aranhas . as formigas . as pequenas estruturas do ócio . atelier de domesticação de demónios . atum bisnaga . auto-retrato . avatares de um desejo . baggio geodésico . bananafish . bibliotecário de Babel . bloodbeats . caixa-de-lata . casa de cacela . chafarica iconoclasta . coisa ruim . com a luz acesa . comboio de fantasmas . complicadíssima teia . corpo em excesso de velocidade . daily make-up . detective cantor . dias com árvores . dias felizes . e deus criou a mulher . e.g., i.e. . ein moment bitte . em busca da límpida medida . em escuta . estado civil . glooka . i kant, kant you? . imitation of life . isto é o que hoje é . last breath . livros são papéis pintados com tinta . loose lips sink ships . manuel falcão malzbender . mastiga e deita fora . meditação na pastelaria . menina limão . moro aqui . mundo imaginado . não tenho vida para isto . no meu vaso . no vazio da onda . o amor é um cão do inferno . o leitor sem qualidades . o assobio das árvores . paperback cell . pátio alfacinha . o polvo . o regabofe . o rosto de deus . o silêncio dos livros . os cavaleiros camponeses no ano mil no lago de paladru . os amigos de alex . Paris vs. New York . passeio alegre . pathos na polis . postcard blues . post secret . provas de contacto . respirar o mesmo ar . senhor palomar . she hangs brightly . some variations . tarte de rabanete . tempo dual . there is only 1 alice . tratado de metatísica . triciclo feliz . uma por rolo . um blog sobre kleist . vazio bonito . viajador


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~*. the bell jar .*~



os lugares comuns: against demons . all work and no play . compêndio de vocações inúteis  .  current mood . filosofia e metafísica quotidiana . fruta esquisita menina aflita . inventário crescente de palavras mais-que-perfeitas . miles to go before I sleep . música no coração  .  música para o dia de hoje . o ponto de vista dos demónios . planos para dominar o mundo . this magic moment  .  you came on like a punch in the heart . you must believe in spring


egosfera: a infância . a minha vida dava um post . afirmações identitárias . a troubled cure for a troubled mind . april was the cruellest month . aquele canto escuro que tudo sabe . as coisas que me passam pela cabeça . fruto saturnino (conhecimento do inferno) . gotham style . mafarricar por aí . Mafia . morto amado nunca mais pára de morrer . o exílio e o reino . os diálogos imaginários . os infernos almofadados . RE: de mail . sina de mulher de bandido . the woman who could not live with her faulty heart . um lugar onde pousar a cabeça   .  correio sentimental


scriptorium: (des)considerações sobre arte . a noite . and death shall have no dominion . angularidades . bicho escala-estantes . do frio . do medo . escrever . exercícios . exercícios de anatomia . exercícios de respiração . exercícios de sobrevivência . Ítaca . lunário . mediterrânica . minimal . parágrafos mínimos . poemas . poemas mínimos . substâncias . teses, tratados e outras elocubrações quase científicas  .  um rumor no arvoredo


grandes amores: a thing of beauty is a joy forever . grandes amores . abraços . Afta . árvores . cat powa . colectânea de explicações avulsas da língua portuguesa  .  declaração de amor a um objecto . declaração de amor a uma cidade . desolação magnífica . divas e heróis . down the rabbit hole . drogas duras . drogas leves . esqueletos no armário . filmes . fotografia . geometrias . heart of darkness . ilustraçãoinício . matéria solar . mitologias . o mar . os livros . pintura . poesia . sol nascente . space is the place . the creatures inside my head . Twin Peaks . us people are just poems . verão  .  you're the night, Lilah


do quotidiano: achados imperdíveis . acidentes quotidianos e outros desastres . blogspotting . carpe diem . celebrações . declarações de emergência . diz que é uma espécie de portfolio . férias  .  greves, renúncias e outras rebeliões . isto anda tudo ligado . livro de reclamações . moleskine de viagem . níveis mínimos de suporte de vida . o existencialismo é um humanismo . só estão bem a fazer pouco


nomes: Aimee Mann . Al Berto . Albert Camus . Ana Teresa Pereira  . Bauhaus . Bismarck . Björk . Bond, James Bond . Camille Claudel . Carlos de Oliveira . Corto Maltese . Edvard Munch . Enki Bilal . Fight Club . Fiona Apple . Garfield . Giacometti . Indiana Jones . Jeff Buckley  .  Kavafis . Klimt . Kurt Halsey . Louise Bourgeois . Malcolm Lowry . Manuel de Freitas . Margaret Atwood . Marguerite Duras . Max Payne . Mia Couto . Monty Python . Nick Drake . Patrick Wolf  .  Sophia de Mello Breyner Andresen . Sylvia Plath . Tarantino . The National . Tim Burton


os outros: a natureza do mal . amigos . dedicatórias . em busca da límpida medida . retalhos e recortes



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...it's full of stars...


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