Há na Língua Portuguesa uma falha que é urgente resolver: a falta, no nosso dicionário, do verbo
esplanar. Esplanar seria o verbo que viria oficializar o acto de ficar numa esplanada durante tempo indefinido, a saborear o tempo ocioso, o não fazer nada, o não ter nada para fazer senão estar ali, a saborear o estar ali. Seria um equivalente da já reconhecida
flâneurie (para quem gosta de passear e deambular pelas ruas da cidade), mas em versão imóvel, para melhor enfantizar o seu carácter ocioso.
É uma das coisas que mais gosto de fazer, desde que entrei no mundo horroroso da gente crescida, subjugada ao trabalho. Ficar sentada numa esplanada a manhã inteira nos primeiros diras de primavera com sol. A ler ou a saborear um pequeno-almoço substancial, onde a presença de um croissant não pode faltar. A boa companhia, não sendo absolutamente imprescindível, é contudo factor condicionante do grau de satisfação proprocionado pela fruição do momento. Há quem diga que a leitura é um acto solitário, há quem diga que os silêncios são incómodos. Pois eu acho que há poucas coisas tão sedutoramente cúmplices como ler em conjunto com alguém de quem se gosta, sabendo que ainda que cada um vagueie imerso nos seus próprios pensamentos, uma mesma corrente de afecto os une, sem os perturbar.
Automaticamente, o corpo reage e a memória afectiva entra em acção: o cérebro faz-nos avançar no tempo, remete-nos de imediato para o verão, com o sol escaldante, em que estaremos numa outra esplanada a ler ou a saborear uma bebida fresca, desta vez com a praia ao fundo. Os cheiros da cidade cinzenta subitamente assemelham-se ao cheiro do mar e do peixe grelhado que se prepara à hora do almoço, o ruído dos carros converte-se no barulho das ondas. Imediatamente, aos primeiros dias de sol, só porque nos sentamos numa esplanada a saborear o
dolce fare niente, imaginamo-nos a mergulhar na água salgada e a nadar descontraídamente, saboreando um dos prazeres mias naturais e antigos. Eu tenho uma velha teoria de que é ao primeiro banho de mar do ano que lavamos a alma de todas as impurezas depressivas acumuladas ao longo do inverno, e é nesse mergulho demorado que restabelecemos a nossa ligação à terra, às nossas origens, num acto com o seu quê de místico, é certo, mas no qual o que é verdadeiramente importante é o bem-estar final, no regresso a casa. Não há nada melhor do que a antecipação do verão, quando temos a certeza de que ele há-de chegar.
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