segunda-feira, 6 de junho de 2011



Hélas


O little black spot nunca foi - nem de raspão - um blog político. A minha juventude permitiu-me, durante muito tempo, habitar a minha concha, voltada exclusivamente para as pequenas coisas - os livros, a música, os grandes e terríveis amores, as estações, a poesia da vida quotidiana, um ou outro apontamento de beleza ou de horror. Permitiu-me, durante um tempo mais do que razoável, manter-me a salvo da chatice da dura realidade dos telejornais - resguardei-me tanto quanto pude do terror da actualidade. Sempre me preocupou mais o existencialismo, a condição humana em geral, do que a existência em si mesma, a vida das pessoas em particular. Digamos que me dei ao luxo de, anos a fio, praticar uma espécie de abstinência opinativa, que por estes dias tenho que interromper, porque me vejo a ter pesadelos durante a noite e a acordar para uma realidade que, infelizmente, não foi apenas parte de um sonho mau. Tenho que sair da minha concha porque já não consigo entrincheirar-me dentro dela contra a estupidez - já não está trancada do lado de fora, invade tudo, tudo, faz-me perder a concentração para aquilo que realmente importa - as coisas sem importância.



Há aqui um belo resumo dos perigos do status quo. O que aí vem - e não é pela mão da troika - é o pão que o diabo amassou, e eu quase seria capaz de dizer "bem feita, depois não digam que não foram avisados", não fossemos todos ter que comê-lo, justa e injustamente. Pelos visto, há um certo tipo de saudosismo muito português que, finalmente, venceu. Para mal de todos nós.





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posted by saturnine | 15:26 | 12 Comentários


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domingo, 5 de junho de 2011



A Relógio d'Água já se pareceu com as outras editoras...







... mas felizmente passou-lhe.







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posted by saturnine | 22:02 | 6 Comentários


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Quando tudo o resto parece falhar, podemos sempre regressar às origens:


O que esperamos na ágora reunidos?

É que os bárbaros chegam hoje.

Por que tanta apatia no senado?
Os senadores não legislam mais?

É que os bárbaros chegam hoje.
Que leis hão de fazer os senadores?
Os bárbaros que chegam as farão.

Por que o imperador se ergueu tão cedo
e de coroa solene se assentou
em seu trono, à porta magna da cidade?

É que os bárbaros chegam hoje.
O nosso imperador conta saudar
o chefe deles. Tem pronto para dar-lhe
um pergaminho no qual estão escritos
muitos nomes e títulos.

Por que hoje os dois cônsules e os pretores
usam togas de púrpura, bordadas,
e pulseiras com grandes ametistas
e anéis com tais brilhantes e esmeraldas?
Por que hoje empunham bastões tão preciosos
de ouro e prata finamente cravejados?

É que os bárbaros chegam hoje,
tais coisas os deslumbram.

Por que não vêm os dignos oradores
derramar o seu verbo como sempre?

É que os bárbaros chegam hoje
e aborrecem arengas, eloquências.

Por que subitamente esta inquietude?
(Que seriedade nas fisionomias!)
Por que tão rápido as ruas se esvaziam
e todos voltam para casa preocupados?

Porque é já noite, os bárbaros não vêm
e gente recém-chegada das fronteiras
diz que não há mais bárbaros.

Sem bárbaros o que será de nós?
Ah! eles eram uma solução.


Konstantinos Kavafis, À espera dos bárbaros






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posted by saturnine | 20:21 | 0 Comentários


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O terrível desgosto de viver num país de pessoas estúpidas


Os dias de reflexão são uma farsa indesculpável, e ainda mais quando não há, claramente, massa crítica na população que suponha, sequer, predisposição (senão mesmo capacidade) para reflectir.

Primeiro desgosto: com abstenção acima dos 40%, sinto vergonha de respirar o mesmo ar que os gnus que habitam este país.

Segundo desgosto: com uma abécula como Presidente da República e agora, ao que parece, um banana com o Primeiro-ministro, o desgosto é maior do que a minha dignidade de cidadã consegue aguentar.





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posted by saturnine | 20:11 | 5 Comentários


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quinta-feira, 11 de março de 2010



maus fígados


é verdade que eu sou uma pessoa de mau feitio. não só não faço uma oração diária pelo bem, como ainda por cima a substituo por desejos diários de que tombem pianos sobre as cabeças dos meus vizinhos de cima. mas hoje está sol e decidi não me aborrecer com coisas menores. enquanto a vaca parte a vassoura na mobília no andar de cima, eu dou-lhe com o Dan Auerbach sem piedade, e agora quero ver quem é que é mais mazona afinal.





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posted by saturnine | 11:31 | 3 Comentários


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sexta-feira, 4 de dezembro de 2009



bicho do mato


já não é de bom tom dizer que não tenho sorte com os vizinhos. a verdade é que o que eu abomino é a ideia dos vizinhos em geral. estes em particular não têm tanta culpa como isso. e nem é que na sua essência a ideia abstracta de um vizinho seja assim tão repugnante. é a porcaria das construções. o que eu não gramo nadinha é ter que ouvir as pessoas na sua vidinha do dia a dia, os seus sonzinhos de gente comum a intrometer-se no meu silêncio. tal como deve ser horrível suportar os meus sonzinhos, uma vez que sou taralhoca e deixo cair tudo e mais alguma coisa mesmo que seja às duas da manhã. mas vejamos: a vizinha de cima é a vaca que deve tentar partir a mobília à paulada quando aspira, os vizinhos de baixo têm um daqueles cães irritantes que devem caber num bolso e ladram todo o dia, os vizinhos do lado têm um bebé recém-nascido que chora a toda a hora naquele chorinho irritante que ainda por cima nem é um choro que se apresente, é só mesmo um buá-buá-buá-buá-buááááááá ininterrupto que só prova que o puto tem pulmões demasiado saudáveis. pois sabem o que vos digo? fodei-vos, vizinhos, e as más construções que nos separam (e nos separarm da decência da privacidade). ides levar o dia todo com o Mayer Hawthorne.




Mayer Hawthorne | Just Ain't Gonna Work Out (mas a que eu amo mesmo é a Let Me Know)



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posted by saturnine | 12:37 | 3 Comentários


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quarta-feira, 4 de novembro de 2009



i've seen the life on this planet, that's why i'm looking elsewhere *


não é bem verdade que nada se compara à miséria de um emprego: eu dar-me-ia por contente se tivesse um emprego, mas o que acontece é que o que tenho é só trabalho e algumas chatices. isso é que é a verdadeira miséria. deixei tão abandonado, a meio, o meu A História Fabulosa de Peter Schlemhil de Adelbert Von Chamisso, que pela primeira vez na vida perdi o norte a um livro. não sei onde está, desde a última vez que lhe peguei. entretanto, para compensar, comecei o fabuloso Good Omens de Terry Pratchett e Neil Gaiman, que é exactamente o livro que me apetece ler nesta altura do ano, mas que por motivo do meu grande sono acumulado em consequência de um atropelamento de cansaço, não consegui ir ainda além das duas primeiras páginas. é assim que, juntando o útil ao agradável, encontro o livro perfeito para mim nestas condições:









o universo do imaginário-fantástico-deste-mundo-mas-que-parece-de-outro-ou-vice-versa é o meu escape. e tenho horas de entretenimento garantido. que é como quem diz, uma vida inteira, considerando o tempo livre disponível.





* Fox Mulder, The X-Files





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posted by saturnine | 22:54 | 1 Comentários


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segunda-feira, 26 de outubro de 2009



current mood:


na minha rua quase nunca há estacionamento. fico de mau humor quando tenho que ir deixar a viatura ao cu de Judas, com chuva, tralhas para carregar, a lei de Murphy toda compostinha. o mínimo que se pode desejar é um pouco de sossego ao bater com a porta de casa, trancando o mundo ignóbil do lado de fora. mas não. a puta da vizinha de cima tem hora marcada para ouvir televisão aos berros, ou falar ao telemóvel aos berros, ou discutir com o marido aos berros, e é sempre de preferência a partir das onze da noite. os meus nervos não foram feitos para estas coisas. nunca foi grande surpresa gostar mais dos meus livros e dos meus gatos do que da maioria das pessoas, por isso, sim:




© 9000
descoberto via menina limão.






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posted by saturnine | 00:12 | 5 Comentários


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terça-feira, 20 de outubro de 2009



a posta de pescada ocasional


eu ia mandar a minha posta de pescada sobre o assunto Caim - afinal de contas Saramago é um alvo fácil para o malhanço de todas as frentes mesmo quando uma história é só uma história e pode valer por ser uma história bem contada ainda que caricaturize ou adultere o ponto de partida (e olha, afinal ainda foi um rabinho da pescada, desviem-se!) - mas entretanto já não é preciso porque encontrei este texto no Irmão Lúcia. sublinho-o do princípio ao fim.


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posted by saturnine | 13:19 | 0 Comentários


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sexta-feira, 9 de outubro de 2009



um cão preguiçoso pode não ser um cão lento




há coisas que nunca conseguirei compreender. uma delas é por que raio é que a frase


The quick brown fox jumps over the lazy dog


cuja utilidade é precisamente o facto de ter sido inventada não por ser engraçada mas por conter todas as letras do alfabeto, para melhor demonstração do aspecto de uma fonte tipográfica, aparece no meu sistema operativo em português traduzida para



A rápida raposa castanha salta em cima do cão lento.


...


pá, não compreendo. não tem tem um z, não tem um b, não tem um u... já para não falar que a raposa deixa de saltar por cima do cão para saltar-lhe em cima. eu logo vi que isto tudo era mas é um esquema de malandragem. ah, ganda porca.





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posted by saturnine | 01:16 | 4 Comentários


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quarta-feira, 30 de setembro de 2009



no shit


da lista dos 61 presumíveis candidatos ao Nobel da literatura (via LER), constato que apenas conheço 34. desses, só posso dizer ter lido 6. portanto, o meu conhecimento do presumível universo Nobel é de 10%. vida triste, em que o trabalho com os livros é de tal forma mortificante que não resta tempo para os ler.



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posted by saturnine | 00:37 | 2 Comentários


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segunda-feira, 31 de agosto de 2009



a posta de pescada ocasional (ou como quem diz ninguém me perguntou nada, mas...)


eu não conhecia a Pipoca Mais Doce antes de o livro ter chegado às livrarias. ah e tal, é um fenómeno super-giro, a menina criou uma personagem, mas é só a brincar, e a sério até escreve muito bem e tal e coiso. pois então fui folhear o livro e espreitar o blog, para ver a dimensão do fenómeno. é normalzinho. está dentro da média. é uma personagem, de facto, igual aos outros milhares de personagens de pós-adolescente-mulher-moderna-emancipada-super-fashion-super-cool que encontramos por toda a parte e nos blogs também. nada de novo. aquilo que eu acho é que a Pipoca quis ser o Sexo e a Cidade dos blogs (e tem alguma piada e tal, mas ainda assim não chegou lá). é que este é um mundo cruel, e muito cheio de pesos-pesados - bem entendido, gente que sabe o que faz e como fazê-lo bem. a Pipoca certamente gostaria de ter sido uma mini-saia ou uma Rititi, mas man... não é assim tão fácil ser uma gaja fixe e emancipada e com piada e sem usar todos os clichés que todas as gajas que querem ser fixes costumam usar. é que, como diz a Rititi, hay que tenerlos!





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posted by saturnine | 13:50 | 0 Comentários


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segunda-feira, 8 de junho de 2009



dúvidas existenciais


sim, eu também gostava de saber quem arruinou a tua estante na Fnac de Braga! bem, na verdade eu tendo a mexer em tudo. é que posso perfeitamente ter sido eu. qual é a tua estante?





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posted by saturnine | 21:38 | 0 Comentários


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segunda-feira, 13 de abril de 2009



current mood:


A fome, o desamor, o desabrigo,
nenhum mal é comparável à miséria
dum emprego
, com as horas escoltadas
por minutos, os minutos como lápis
afiados, rasurando dia a dia
o animoso galarim das faculdades.

A questão, uma vez mais, é recusar,
desde logo, a protecção dos que traficam
com a liberdade alheia, o conforto
de servir os mediáticos negreiros,
cuja sorte se cimenta no apelo
que dirigem ao pior de cada um.

Pois aquilo a que chamais liberdade
(a coleira do consumo para muitos,
para poucos a gestão do entreposto)
não é mais do que extorsão e propaganda,
centenária manobra de fidalgos
educados no prazer da injustiça.

José Mário Silva/Manuel de Freitas
Walkmen





...





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posted by saturnine | 19:49 | 1 Comentários


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sábado, 11 de outubro de 2008



Jean-Marie quem?


nunca li um livro de monsieur Le Clézio. para dizer a verdade, imagino que sofra o mesmo destino que Miss Lessing: continuar por ler. recebi a notícia do Nobel via sms, justamente quando me encontrava acima do mundo, enchouriçada entre coletes, cordas e mosquetões. a minha reacção: ah. o que eu gostava era de um Nobel para a Flannery O'Connor [póstumo] ou para o Cormac McCarthy. mas ah, pois, «os EUA não participam no grande diálogo da literatura».
já calculava que o prémio fosse pingar sobre um(a) gajo(a) de que eu nunca sequer tivesse ouvido falar [vá lá, ao menos desta vez revelou-se um nome conhecido], e nem é que isso me aborreça por aí além. a única coisa que eu temia era o que disse o Mexia: que a febre Murakami fizesse das suas. ao menos posso suspirar de alívio.


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posted by saturnine | 12:39 | 28 Comentários


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quarta-feira, 8 de outubro de 2008



nota humorística


raramente me digno a fazer aquilo que se poderia chamar de comentar a actualidade. quase nada me interessa a esse ponto. mas como qualquer bom mafarrico, aprecio um bom momento de humor. por isso, a excepção de hoje: João Pereira Coutinho é um beto. e ainda por cima um beto da pior espécie, um beto que tem a mania. à laia daqueles escritores refundidos, medíocres, que habitualmente vagabundeiam pelas livrarias em busca dos seus próprios livros, que geralmente não estão disponíveis porque na verdade não interessam a ninguém, eis que JPC se faz valer da única coisa que o diferencia da referida classe - o facto de possuir espaço para expressar-se publicamente - para vir fazer uma queixinha. então não é que os funcionários de uma certa e determinada multinacional ligada à distribuição cultural cujo nome começa por F e termina em C - esses apedeutas analfabetos - espetaram com a sua "Avenida Paulista" na secção da literatura brasileira? coitadiiiiiiinho. o mais cómico no meio desta queixinha, é a forma bacoca como o cronista acaba por pseudo-ironizar este suposto "exílio" da secção da literatura portuguesa, afirmando que não é de estranhar, uma vez que ele próprio já se auto-exilara havia tempos, ao afirmar que poucos são os autores portugueses que lhe interessam. só me ocorre dizer: bem feita!




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nota à margem, com esclarecimento: João Pereira Coutinho é actualmente cronista do Expresso, tendo assinado a referida "nota humorística" na revista Única, e não se envergonhando de a repetir aqui.
não duvidando que o facto relatado tenha acontecido nessa tal de Fnac do Chiado, a verdade é que nas Fnacs que habitualmente frequento (a norte) o livro do dito cujo está bem arrumadinho na secção a que pertence. posto isto, só me ocorre outra conclusão: tenho para mim que foram os apedeutas analfabetos da baixa lisboeta que quiseram fazer-lhe judiarias por ser um gajo do Porto.




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posted by saturnine | 15:08 | 9 Comentários


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sábado, 16 de fevereiro de 2008



o destilar do veneno (ou um exercício de arrogância primordial)


o Homem é de facto o único grande mal da Humanidade. criatura que não presta. resumindo, as pessoas são más. brutas, selvagens como animais. estúpidas como bestas. bestas estúpidas. refugiam-se na breve ilusão de um dom de vertebralidade, mas que não se enganem: não há futuro para a alquimia, quando tudo o que tocam se transforma em merda, nunca em ouro.
o bicho escala-estantes vive atormentado entre as pessoas. deslocado, estrangeiro, desadaptado. a sua pele não é feita à medida da ignomínia. doem-lhe os dedos em ferida. sangram, porque os livros não perdoam os maus tratos. mudos e quedos, ruminam silenciosos uma vingança, e ripostam. tombam, mordem, agridem, arranham. debatem-se, furiosos, contra a destruição. em seu redor, a maldade geral das pessoas. o crime da ignorância. as pessoas, que destroem tudo em que tocam. movem-se como gigantescas implacáveis máquinas debulhadoras, avançando sem contemplações como se não houvesse amanhã num mundo que fosse como uma Zara em época de saldos.
ignoram a vida secreta dos livros e a profundeza das feridas da desconsideração. movem-se como forças defeituosas da natureza, cegas, imparáveis, deixando atrás de si cenários de guerra. os estilhaços cobrem as costas do bicho escala-estantes, cujo ofício é viver escavando no meio dos escombros. não há tempo para revisitar os velhos poemas, e os lugares encantados da literatura, o António Gancho e o seu ar da manhã, ou o Faulkner e do seu som e a fúria, por que ninguém pergunta. o bicho escala-estantes sente o coração insuflado porque conhece um qualquer livro especial numa estante em particular, sempre à espera que lhe perguntem por ele, porque dele saberá dizer "sim, ainda bem que me pergunta, porque ele tem estado aqui à espera que perguntem por ele". mas nunca ninguém pergunta.
as pessoas são animais brutos e feios. gostam do lixo bruto e feio à sua semelhança. o bicho escala-estantes sofre, atormentado, o insulto da estupidez. o crime da ignorância. nunca conheci um leitor amante de Nicholas Sparks que soubesse pronunciar correctamente o filha-da-puta do raio do nome do gajo. puta que os pariu. se não sabem ler, porque lêem? ah, imbecil ignorante vil criatura! recolhe a esse canto obscuro sob a pedra debaixo da qual saíste e não me aborreças. eu tenho estantes para escalar, mundos para conhecer, livros para cuidar, vidas inteiras para viver, ainda antes de o dia findar. não tenho mãos para ti, que te apertem o pescoço quando abres a boca para falar. oh, tivesse eu mãos que te suprimissem o fluxo verborreico, ou - porque não? - a própria respiração...! o meu coração ao pé da boca e os meus dedos em ferida anseiam pelo silêncio de um quarto com alguma luz, alguma música, e a companhia dos livros. dito em tempos, há um hábito de sanidade na misantropia.





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posted by saturnine | 02:24 | 3 Comentários


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domingo, 27 de janeiro de 2008



Quando ele escalava, era como quem viajava e como quem fugia


agarrado às estantes, o coração preso na boca, as pontas dos dedos em sangue, as unhas a estalar como escamas velhas. um vago murmúrio nesse lugar escuro de onde se avista o fim do mundo. ainda há homens, deste lado de cá. chuva, vento na noite, memórias inventadas de pássaros. foge dos homens, corre para os homens. mergulha no tecido impreciso das histórias, reconhece o tempo pelo cheiro dos livros. há alguma poesia aqui, escondida entre o pó das prateleiras. uma lombada escura lhe sussurra: o meu coração é árabe. dói-lhe a ferida geral do seu corpo vivo, desce, regressa, conta mentalmente o som dos seus passos. doem-lhe as mãos, precisa de umas novas mãos, de um novo coração, este está prestes a ser cuspido boca fora. no exterior, há a luz. excessiva, artificial. e as pessoas: ideal um mundo onde as pessoas existissem, mas sem que precisássemos de as ver.





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posted by saturnine | 19:34 | 5 Comentários


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terça-feira, 16 de outubro de 2007



The moment history is made


não consigo concentrar-me para ouvir o novo disco dos Radiohead no meio de tanta histeria. hei-de esperar que a turba acalme e ouço-o depois, sem ruído de fundo. enquanto isso, porque o coração não sossega, e porque também a mim coisas muito feias me ofendem, entretenho-me a imaginar a minha própria embalagem para o produto que hei-de adquirir em formato digital, por download legal.








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posted by saturnine | 23:35 | 21 Comentários


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terça-feira, 4 de setembro de 2007



my life is amazing but im always worried about something and i dont know what it is *


reconheço: não sou digna de citar e acreditar que people are tricky, you can't afford to show/ anything risky, anything they don't know/ the moment you try, you kiss it goodbye. [Aimee Mann] se fosse, teria certamente aprendido que há alguns momentos em que a literalidade na lírica faz a diferença (oh, contradição para que te quero...). quer dizer, eu vi a podridão do mundo. abri os olhos à força para um horror que não era nada o que eu queria ver. mas vi. e nele as pessoas são imperfeitas e más, trazem a podridão por dentro. o que eu não percebo é este braço-de-ferro contra o dado adquirido, o crucificar pela diferença, a subjugação ao medo. não percebo e assumo a angústia inesgotável de remar contra a maré. o mundo é um lugar cruel para um perfeccionista. pior ainda se o perfeccionista erra e falha, falha todos os dias, mete os pés pelas mãos, faz o que não deve, se se esquece da reserva que o protege da nudez e se envergonha, à vista de todos, exibindo para além de qualquer sombra de dúvida a evidência da sua imperfeição.

a utopia do virtuosismo pode dar cabo da vida de um homem. ainda há alguns quantos tocados pela virtude, numa espécie de Olimpo a que nos fazem crer que devemos desejar aceder. mas que não haja equívocos: eu encontro-me do lado podre do mundo. estico o pescoço para respirar à superfície a ilusão de um ar puro e cristalino, com os pés enterrados na lama. eu pertenço à raça daqueles condenados a conhecer de cor a desilusão. onde há um corpo que, por imprudência, exibe o rasto de uma ferida, logo há sete cães ávidos de o abocanhar. triste é quando vêm os cães guiados pelas mãos de amigos. e se não sou digna, portanto, de citar a Aimee Mann é porque, sabendo-o, me esqueço constantemente de como se sobrevive, de como é o saber-estar num mundo carnívoro, de como o animal acossado se resguarda e camufla, não se se dirige a correr para a boca aberta da floresta onde o perigo espreita.




* Exploding Dog



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posted by saturnine | 13:01 | 4 Comentários


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spot player special




"us people are just poems"
[ani difranco]


*

calamity.spot[at]gmail.com



~*. through the looking glass .*~




little black spot | portfolio
Baucis & Philemon | tea for two
os dias do minotauro | against demons
menina tangerina | citrus reticulata deliciosa
the woman who could not live with her faulty heart | work in progress
pale blue dot | sala de exposições
o rosto de deus | fairy tales








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~*. rearview mirror .*~


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~*. spying glass .*~


a balada do café triste . ágrafo . albergue dos danados . almanaque de ironias menores . a natureza do mal . animais domésticos . antologia do esquecimento . arquivo fantasma . a rute é estranha . as aranhas . as formigas . as pequenas estruturas do ócio . atelier de domesticação de demónios . atum bisnaga . auto-retrato . avatares de um desejo . baggio geodésico . bananafish . bibliotecário de Babel . bloodbeats . caixa-de-lata . casa de cacela . chafarica iconoclasta . coisa ruim . com a luz acesa . comboio de fantasmas . complicadíssima teia . corpo em excesso de velocidade . daily make-up . detective cantor . dias com árvores . dias felizes . e deus criou a mulher . e.g., i.e. . ein moment bitte . em busca da límpida medida . em escuta . estado civil . glooka . i kant, kant you? . imitation of life . isto é o que hoje é . last breath . livros são papéis pintados com tinta . loose lips sink ships . manuel falcão malzbender . mastiga e deita fora . meditação na pastelaria . menina limão . moro aqui . mundo imaginado . não tenho vida para isto . no meu vaso . no vazio da onda . o amor é um cão do inferno . o leitor sem qualidades . o assobio das árvores . paperback cell . pátio alfacinha . o polvo . o regabofe . o rosto de deus . o silêncio dos livros . os cavaleiros camponeses no ano mil no lago de paladru . os amigos de alex . Paris vs. New York . passeio alegre . pathos na polis . postcard blues . post secret . provas de contacto . respirar o mesmo ar . senhor palomar . she hangs brightly . some variations . tarte de rabanete . tempo dual . there is only 1 alice . tratado de metatísica . triciclo feliz . uma por rolo . um blog sobre kleist . vazio bonito . viajador


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~*. the bell jar .*~



os lugares comuns: against demons . all work and no play . compêndio de vocações inúteis  .  current mood . filosofia e metafísica quotidiana . fruta esquisita menina aflita . inventário crescente de palavras mais-que-perfeitas . miles to go before I sleep . música no coração  .  música para o dia de hoje . o ponto de vista dos demónios . planos para dominar o mundo . this magic moment  .  you came on like a punch in the heart . you must believe in spring


egosfera: a infância . a minha vida dava um post . afirmações identitárias . a troubled cure for a troubled mind . april was the cruellest month . aquele canto escuro que tudo sabe . as coisas que me passam pela cabeça . fruto saturnino (conhecimento do inferno) . gotham style . mafarricar por aí . Mafia . morto amado nunca mais pára de morrer . o exílio e o reino . os diálogos imaginários . os infernos almofadados . RE: de mail . sina de mulher de bandido . the woman who could not live with her faulty heart . um lugar onde pousar a cabeça   .  correio sentimental


scriptorium: (des)considerações sobre arte . a noite . and death shall have no dominion . angularidades . bicho escala-estantes . do frio . do medo . escrever . exercícios . exercícios de anatomia . exercícios de respiração . exercícios de sobrevivência . Ítaca . lunário . mediterrânica . minimal . parágrafos mínimos . poemas . poemas mínimos . substâncias . teses, tratados e outras elocubrações quase científicas  .  um rumor no arvoredo


grandes amores: a thing of beauty is a joy forever . grandes amores . abraços . Afta . árvores . cat powa . colectânea de explicações avulsas da língua portuguesa  .  declaração de amor a um objecto . declaração de amor a uma cidade . desolação magnífica . divas e heróis . down the rabbit hole . drogas duras . drogas leves . esqueletos no armário . filmes . fotografia . geometrias . heart of darkness . ilustraçãoinício . matéria solar . mitologias . o mar . os livros . pintura . poesia . sol nascente . space is the place . the creatures inside my head . Twin Peaks . us people are just poems . verão  .  you're the night, Lilah


do quotidiano: achados imperdíveis . acidentes quotidianos e outros desastres . blogspotting . carpe diem . celebrações . declarações de emergência . diz que é uma espécie de portfolio . férias  .  greves, renúncias e outras rebeliões . isto anda tudo ligado . livro de reclamações . moleskine de viagem . níveis mínimos de suporte de vida . o existencialismo é um humanismo . só estão bem a fazer pouco


nomes: Aimee Mann . Al Berto . Albert Camus . Ana Teresa Pereira  . Bauhaus . Bismarck . Björk . Bond, James Bond . Camille Claudel . Carlos de Oliveira . Corto Maltese . Edvard Munch . Enki Bilal . Fight Club . Fiona Apple . Garfield . Giacometti . Indiana Jones . Jeff Buckley  .  Kavafis . Klimt . Kurt Halsey . Louise Bourgeois . Malcolm Lowry . Manuel de Freitas . Margaret Atwood . Marguerite Duras . Max Payne . Mia Couto . Monty Python . Nick Drake . Patrick Wolf  .  Sophia de Mello Breyner Andresen . Sylvia Plath . Tarantino . The National . Tim Burton


os outros: a natureza do mal . amigos . dedicatórias . em busca da límpida medida . retalhos e recortes



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...it's full of stars...


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