domingo, 3 de julho de 2011



Down, down, down... Would the fall never come to and end?


Alice in Wonderland é, possivelmente, o livro mais pefeito de sempre. Relê-lo, trelê-lo, à medida que o tempo avança, vai revelando camadas sucessivas de interpretação. Percebe-se, por exemplo, que a infância é um território paradoxal, que, não obstante o facto de todos dele provirmos, se torna mais cada vez desconhecido, mais misterioso, à medida que dele nos afastamos. A raiz do medo, que se converte em insónia, no conhecimento do inferno, no terror assombrado dos dias povoados de demónios, tem origem nos lugares profundos dos quais a memória se destaca. Crescer é uma espécie de reencontro. Quando a fantasia se converte ela mesma em metafísica, e na metáfora aparentemente pueril se encontra o consolo de um sentido verdadeiramente existencial.






© Benjamin Lacombe







'Would you tell me, please, which way I ought to go from here?'
'That depends a great deal on where you want to get to', said the Cat.
'I don't much care where -' said Alice.
'Then it doesn't matter which way you go', said the Cat.






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posted by saturnine | 13:56 | 0 Comentários


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As ruas de Madrid estão cheias de árvores perfumadas. Sob a inclemência de um sol abrasador, a brisa que faz restolhar as suas folhas traz ao viajante subjugado o consolo balsâmico do aroma fresco das sombras. Inesperadamente, ao virar de uma esquina, existem Tipos Infames, que oferecem ao viajante cansado o conforto das bebidas frescas, entre o silêncio dos livros.





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posted by saturnine | 13:23 | 0 Comentários


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segunda-feira, 6 de junho de 2011



Voltando ao que interessa






Li ontem A Pantera, de Ana Teresa Pereira. Faltou qualquer coisa, não fascinou. Há algo que me intriga e que, por impossibilidade de distanciamento, não consigo discernir correctamente: é a autora que alterna textos belíssimos com outros claramente menores, ou é o meu vício que atenua o ecanto, apagando a cintilância da sua escrita?

Neste livro, uma vez mais, é a mesma história revisitada. Os escritores e as suas personagens, os seus demónios, o perpétuo combate entre ficção e realidade. Mas pensava que depois de Quando atravessares o rio o reaparecimento de Kate e Tom seria mais inequietante, levantando um pouco mais a ponta do véu, ainda que, com isso, descobrindo as sombras de outros monstros escondidos. Este livro soube-me a pouco, e ainda que me tenha parecido mais complexo do que à primeira vista pode parecer, o facto de não me ter impressionado irremediavelmente fá-lo parecer claramente menor.

Tenho achado que Ana Teresa Pereira exercita melhor a sua singularidade, nos últimos anos, quando se desprende dessa história antiga que ameaça tornar-se demasiado familiar para que possa inquietar ou angustiar. O seu estilo é mais refinado em obras como O Verão Selvagem dos Teus Olhos ou A Outra. Tenho vontade de ver, cada vez mais, outros castelos, outros jardins, outros fantasmas. Tenho vontade de voltar a surpreender-me com o inesperado.





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domingo, 5 de junho de 2011



A Relógio d'Água já se pareceu com as outras editoras...







... mas felizmente passou-lhe.







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posted by saturnine | 22:02 | 6 Comentários


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domingo, 29 de maio de 2011



Q & A


Não resisto às coisas inúteis. Por isso mesmo, seguindo este mote, deixei as coisas importantes de lado e tratei de responder:


1 – Existe um livro que lerias e relerias várias vezes?
Existem vários. Os livros que mais me marcam vão sendo relidos, na medida do possível, para as histórias não se deixarem esbater pela passagem do tempo. Todos livros da Flannery O'Connor, todos os do Ruan Rulfo, todos os do Malcom Lowry, todos os do Tonino Guerra, pff, tantos. E, ainda assim, o tempo não chega para reler tudo aquilo que gostaria, especialmente quando ainda há tanto para ler pela primeira vez.


2 – Existe algum livro que começaste a ler, paraste, recomeçaste, tentaste e tentaste e nunca conseguiste ler até ao fim?
Há, sim. "A Ordem Natural das Coisas", de António Lobo Antunes. Esse venceu-me, e tive que me assumir derrotada. Nunca vi coisa tão intragável, e olhem que eu li "A Sibila" de fio a pavio.


3 – Se escolhesses um livro para ler para o resto da tua vida, qual seria ele?
Isto é o mesmo que a primeira pergunta, não é? Se fosse só um, suponho que seria a "Odisseia" de Homero. (adenda: depois de ter pensado melhor, acho que seria o "Livro do Desassossego", de Bernardo Soares.)


4 – Que livro gostarias de ter lido mas que, por algum motivo, nunca leste?
50% dos livros que tenho nas minhas estantes, ainda em fila de espera. Um cuja falha mais me aborrece é o "Ofício de Viver", de Cesare Pavese.


5 - Que livro leste cuja ‘cena final’ jamais conseguiste esquecer?
Normalmente, são as cenas finais as primeiras que esqueço. Vá-se lá saber porquê. Lembro-me sempre muito melhor de como os livros começam. Talvez porque, na verdade, seja muito mais raro encontrar um final que realmente me impressione tanto como o resto do miolo. Aquele que me recordo melhor será, talvez, o d'"A Estrada" de Cormac McCarthy.


6 - Tinhas o hábito de ler quando eras criança? Se lias, qual era o tipo de leitura?
Tinha, pois. Tinha inclusive o hábito de ler às escondidas, pela noite dentro, depois da hora do "recolher obrigatório" e de, por essa razão, ser uma dor de cabeça constante para os meus pais, que sabiam que um livro novo não me entretinha durante uma semana, como gostariam. Era particularmente fã de aventuras, mistério, fantasia, the works. Suponho que seja por isso que me tornei muito cedo fã de Hitchcock.


7 - Qual o livro que achaste chato mas ainda assim leste até ao fim? Porquê?
Até já falei dele. "A Sibila", da Agustina Bessa-Luís.


8 - Indica alguns dos teus livros preferidos.
Alguns. Só mesmo alguns, e sem qualquer tipo de ordem de preferência.

"Tudo o que sobe deve convergir", Flannery O'Connor
"Debaixo do Vulcão", Malcolm Lowry
"O mar, o mar", Iris Murdoch
"O Mundo (é a rua da tua infância)", Juan José Millás
"O livro das igrejas abandonadas", Tonino Guerra
"O Ponto de Vista dos Demónios", Ana Teresa Pereira
"Antígona", Sófocles
"A Estrada", Cormac McCarthy
"Memorial do Convento", José Saramago
"Pedro Páramo", Juan Rulfo
"Contos de S. Petersburgo", Nikolai Gogol
"As Cidades Invisíveis", Italo Calvino
"Os Passos em Volta", Herberto Helder
"Os Pássaros e Outros Contos Macabros", Daphne du Maurier
"Teoria da Viagem", Michel Onfray


9 - Que livro estás a ler neste momento?
Contos da Katherine Mansfield. "O Garden-Party" e "A Viagem Indiscreta".


10 - Indica dez amigos para o Meme Literário:
Algum dos meus dez leitores habituais. Façam o favor de se servir, isto aqui é tipo buffet.





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terça-feira, 24 de maio de 2011



Coisas que a gente sabe logo


Ao primeiro livro de Virginia Woolf, torna-se logo pouco surpreendente que tenha terminado por decidir morrer, qual Ofélia, de morte precoce e premeditada. Um cérebro, como um disco num gira-discos, só aguenta um certo limite de rotações.


Ao primeiro livro de Tennessee Williams, já estou rendida e fascinada, como só acontece tão raras vezes, reconhecer um escritor da carne viva, como com o Juan Rulfo, tão perfeito que um único livro bastaria para sustentar a obra inteira de uma vida.





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segunda-feira, 23 de maio de 2011



One Hopper a day keeps the doctor away #3



Edward Hopper | House at dusk






«Quando um homenzinho chega a uma cidade desconhecida e procura um lugar para ficar, sente-se bruscamente desprotegido, privado do saber, à mercê de todas as investidas. Os espíritos demoníacos que habitam o mundo primitivo, regressam à luz, abandonam o exílio. Dissimulados e triunfantes, voltam a rastejar pelas secretas cavidades das rochas e pelos sulcos dos bosques de onde a razão os expulsara. O forasteiro solitário, assustado com a sua própria sombra e com o som dos seus passos, caminha entre filas de vigilantes divindades inferiores, com obscuras intenções. Não é bem ele que olha para as casas, são as casas que olham para ele. As ruas estão atentas, espreitam. Tabuletas, janelas, portas, estão repletas de olhos e bocas que o observam e murmuram. A tensão nervosa cresce e estrangula-o, cada vez mais. Se alguém lhe dirige um sorriso de boas-vindas, é o suficiente para provocar uma espécie de explosão. A sua pele, tão arrepiada como uma luva nova de pelica, parece que vai rebentar pelas costuras, libertano o espírito; então poderá abraçar os muros de pedra e dançar sobre todos os telhados, aqui ou além. Os demónios dispersaram uma vez mais, regressando ao seu limbo; tranquilo está o mundo, tranquilo e ameno e reduzido de novo à sua inércia - é como um boi embrutecido, andando à volta, sulcando o tempo como convém ao homem.»


'A Maldição'
in A Noite da Iguana e Outras Histórias, Tennessee Williams
Assírio e Alvim, 2009





Se isto não é uma das mais brilhantes aberturas para um livro de sempre, não sei o que será.





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sexta-feira, 20 de maio de 2011



One Hopper a day keeps the doctor away #2



Edward Hopper | Burly Cobb's House, South Truro





«Tirou as trancas de um portão, seguiu por um trilho ao longo de um esburacado muro da pastagem e avançou até ao cimo do monte onde um maciço de larícios sacudia ao vento os seus pendões viçosos. Aí, deitou-se no declive, atirou o chapéu e escondeu a cara na erva.
Sabia muito confusamente que era cega e insensível em relação a muitas coisas, mas cada gota do seu sangue reagia a tudo o que fosse luz e ar, perfume e cor. Amava a aspereza da erva seca da montanha sob as palmas das mãos, o odor do tomilho que esmagava com o rosto, o dedilhar do vento nos cabelos, o vento a trespassar-lhe a blusa de verão e o ranger dos larícios que com ele oscilavam. (...)
Geralmente, em tais momentos, não pensava em coisa alguma, mas ficava deitada, imersa num bem-estar inexprimível.»


Verão, Edith Wharton
Relógio d'Água, 2003





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sábado, 14 de maio de 2011



April was the cruellest month #4


Há uns cinco anos, durante um Abril que foi, efectivamente, o mais cruel dos meses, tinha começado a ler pela primeira vez a Mrs. Dalloway, de Virginia Woolf. Eu era, na altura, uma jovem mulher adulta, no limiar daquilo que eu imaginava ser a 'flor da idade'. Era uma tarde de sol num café da Rua de Ceuta, e eu tinha acabado de comprar o meu primeiro livro do Rui Pires Cabral. Não o cheguei a tirar do saquinho de papel, como pensava, para exibi-lo como um recém adquirido tesouro. Entretinha-me, enquanto esperava, de mãos trémulas e espírito inquieto, com a Mrs. Dalloway, poucos minutos antes de eu ter morrido, ou o mundo ter acabado (não me recordo com precisão, sei apenas que sucederam grandes desastres).





John William Waterhouse | Ophelia






Depois regressei, como quem acorda de súbito, ou o mundo regressou, claro, como sempre fazem as coisas seguindo a sua ordem, voltando ao normal. Mas algo de mim ficou preso naquela tarde e já não regressou juntamente com o resto. Depois desse dia, li muitas vezes os poemas preciosos de Rui Pires Cabral, mas não li mais uma única página que fosse de Mrs. Dalloway, até hoje (ou até há dois dias, quando escrevi este texto, mas o Blogger estava avariado). Cinco anos depois, em plena idade balzaquiana, também Abril se tornou um demónio domesticado.

O ano passado reconciliei-me com a Câmpanula de Vidro, de Sylvia Plath, o livro mais assombrado da minha vida. Mrs. Dalloway é o segundo. Estes dias, peguei-lhe novamente, com renovada confiança, em toda a graça dos meus trinta anos, e a leitura está livre do estigma do castigo. Abril não é mais o mês asfixiante das mortes entre as flores. Agora já pode ser só o mês próprio para a Ana Teresa Pereira.





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Viver narrativamente (um post ultra-congelado)


Tinha para aqui isto perdido. À distância, já não me lembro onde pretendia chegar. Mas não faz mal, sempre gostei de histórias sem moral.



* * *




Um pequeno bicho habitua-se às histórias. Cria histórias como quem empreende uma fuga. Fabrica-as afincadamente com um tão fino e intrincado tecido, que não consegue distinguir já a matéria original que revestem, camada após camada. Um pequeno bicho de tal modo se habitua às suas histórias, que pouco a pouco se dilui nelas. Os seus pensamentos são construções das personagens que encarna, as suas acções resultam do movimento invisível dos fios de marioneta que ele próprio controla, e nos quais inevitavelmente se enreda. A narrativa confere-lhe o dom da existência, ao mesmo tempo que se converte na sua própria pele.





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segunda-feira, 26 de julho de 2010



antecipação:




Edward Hopper | Room by the sea




Como se poderá perceber pela escalada do tom deste blog nos últimos dias, aquilo de que mais gosto no ano inteiro é, no verão, o curto período que antecede imediatamente a partida para férias. A preparação. O ritual. A antecipação dos lugares, o devaneio deliciado, a escolha cuidadosa das leituras e da banda sonora. Levo comigo o aforismo de René Char e agora também eu sei que quem ama o girassol não meditará dentro de casa (in your fucking face, agoraphobia!). Vou em direcção aos campos de girassóis, em direcção ao mar, verão adentro. É bom o exílio, é boa a dor martirizada sobre o corpo, para que seja transbordante a alegria da conquista de um reino. Vou para encontrar-me entre iguais. E vou bem acompanhada. Tenho o meu lugar onde pousar a cabeça, e tenho algumas horas de boa música para a viagem. E meti na mala estes companheiros:


O jardim dos Finzi-Contini, Giorgio Bassani
Verão, Edith Wharton
Raparigas da província, Edna O'Brien
Estranho é viver, Carmen Martín Gaíte
The suspicions of Mr. Whicher, Kate Summerscale






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terça-feira, 23 de março de 2010



os prazeres do ócio






Li O Livro dos Prazeres Inúteis [Quetzal, 2010]. Agradou-me, como me agradaria qualquer - ainda que subtil - manifesto hedonista. Parece-me louvável a enumeração dos deleites possíveis, não vá a memória tecê-las. Reencontrei nele algumas das minhas coisas favoritas de sempre: a praia, a varanda, a rede de descanso, o acto de cabriolar, a procrastinação, o escárnio, o olhar pela janela, a fruição da melancolia, a revolução do roupão... A questão fundamental é que os prazeres ociosos são incontáveis, provavelmente infinitos. O que é mais sublime no meio disto tudo é que o movimento da imaginação, posto em marcha pela sugestão proprocionada pela leitura, incita à enunciação mental de tantos outros actos livres e ociosos dignos de registo - e isso constitui em si mesmo um prazer inútil. É pena que o livro não tenha sido escrito por um poeta. Falta-lhe na generalidade requinte linguístico, sensibilidade poética, para que as palavras digam exactamente aquilo que querem dizer, e mais ainda, de modo a que a descrição de uma gruta nos coloque dentro da gruta, sentindo a sua frescura e ouvindo o marulhar da água, vendo os seus reflexos na pedra.

Sou efectivamente pessoa sugestionável, e sensível à matéria sensorial das palavras. Lembro-me sempre de quão impressionante foi para mim a primeira leitura do texto de Sophia de Mello Breyner sobre uma maçã vermelha pousada em cima de uma mesa junto a uma janela, para lá da qual o mar impunha a sua magnífica presença. Essa imagem cravou-se na minha memória, tão nítida e vívida como um quadro, e nunca mais a pude esquecer. Nunca mais abandonei aquele quarto em que Sophia encontrou a maçã, e aquela maçã nunca até hoje perdeu a sua cor vermelha brilhante, nem me pareceu menos doce ou sumarenta. Quase consigo sentir o seu sabor na minha memória, e quase consigo descrever com exactidão o azul daquele mar. Era essa a força que eu esperava dos textos deste pequeno livro. Delicioso, mas perecível. Louvável apenas porque incita à imaginação.





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quinta-feira, 11 de março de 2010



literatura e olharapos


tenho que confessar que gostei de ter lido Agustina Bessa-Luísa na adolescência. de qualquer maneira teve que ser, A Sibila era leitura obrigatória no secundário, e eu não sou de me ficar pelos Apontamentos da Europa-América. daqui divergem duas ideias fundamentais:


a primeira é que a obrigação é de somenos importância, uma vez que li, por vontade própria, no mesmo fôlego, o Memorial do Convento de Saramago e a Aparição de Vergílio Ferreira, que também podiam ter sido leituras obrigatórias mas acabaram por não o ser. a questão é que eu gostava de ler e não confiava nada em saber das coisas em segunda mão. queria viver a experiência na primeira pessoa.

a segunda é que o facto de ter lido A Sibila - um livro absurdamente chato e pretensioso, que parece começar e terminar sempre com o mesmo pathos morno, contido, conseguindo na melhor das hipóteses, em alguns momentos, uma vaga aproximação à catarse, mas sem jamais a concretizar - me permitiu arrumar logo ali, sem contemplações, o assunto Agustina Bessa-Luís. não teria, contudo, sido a mesma coisa, se nunca a tivesse lido e tivesse decidido que é chata, e fugido dela a sete pés. é que apesar de tudo a coisa é extremamente rica em termos literários. em suma, a coisa resultou em boa matéria de estudo e num 19 à disciplina de Português para mim. ainda hoje acho que, mais do que justa, foi uma nota empática, porque fui de certeza absoluta a única pessoa na turma (pequenina) que leu o bicho do princípio ao fim e não teve pejo em concluir "professor, este livro não tinha uma 'parte interessante'!", apenas para ouvir "sabe, achei exactamente o mesmo!"

em suma, não se pode negar que a criatura sabe escrever e sabe construir uma história com substância. só que a pompa oprime-me os nervos, e a escrita pela escrita vale pouco se é um mero exercício de excelência em recursos de estilo, e se deixa de fora a poesia - que também é coisa para mexer com os nervos, mas noutro sentido completamente diferente, e já não me apetece falar mais do assunto.





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sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010



no fundo, chamaram-lhe provinciano


há quase um ano a New Yorker online publicou um artigo extenso sobre António Lobo Antunes que, por motivos vários (um dos quais sendo a minha inabilidade para lidar com o Google Reader então), me passou despercebido até hoje. não resisto a fazer uns quantos sublinhados, a propósito de um retrato bem apanhado, que tem laivos de caricatura, e por isso não pode deixar de me fazer sorrir:




«Internationally, Lobo Antunes is overshadowed by his older colleague José Saramago, who won the Nobel Prize in 1998. At home, the two writers, like rival political parties or sports teams, have noisy partisans, and those who cheer for Lobo Antunes claim that the wrong man won the Nobel. Lobo Antunes himself apparently agrees: when the Times called for a comment on Saramago’s victory he grumbled that the phone was out of order and abruptly hung up.

Their cramped country may not be big enough for both men, but from a distance the internecine feud hardly matters. Good novelists are unique, which makes them incomparable. Saramago is a benign magus whose fictions smilingly suspend reality; Lobo Antunes is more like an exorcist, frantically battling to cast out evil and to heal the body politic. Saramago’s secular parables, set mostly in unnamed or imaginary countries, easily float off into universality. Lobo Antunes remains obsessively local, worrying over the inherited ailments of Portuguese history and the debilities of its culture.

A novel always reveals to us the world inside someone else’s head. In the case of Lobo Antunes, that world is the size of a country
— small and marginal, perhaps, but teeming with villainy and vice, and as crammed with wounds and festering sores as an overcrowded hospital ward.?


> ler o artigo completo aqui




tenho pena de nunca ter conseguido terminar o único romance de Lobo Antunes em que peguei, ainda na adolescência. o problema foi exactamente esse, suspeito. voltei a tentar ao longo dos anos seguintes, mas o resultado foi sempre o mesmo: A Ordem Natural das Coisas nunca passou do meio até ser arrumado de vez. nesse, sei-o de certeza absoluta, nunca mais voltarei a pegar. e também sei que o esforço minou o desejo e que, por isso mesmo, dificilmente irei ainda a tempo, entrada a idade balzaquiana, de me apetecer experimentar o Lobo Antunes só para saber como é, para além do aborrecimento que foi em tempos. por isso é que tenho pena. porque tenho na estante à espera um Que Farei Quando Tudo Arde, que eu queria mesmo muito ter lido porque este título ilustra um período da minha vida e porque gosto mesmo muito do Sá de Miranda e porque aquele verso é dos melhores que há, do mesmo calibre de um do not go gentle into that good night, que por acaso o Lobo Antunes também soube aproveitar para um título. o que receio e, admito, me mantém na segurança da ignorância, ou seja, sem disposição para perder tempo, advém disso mesmo: naquilo que ele é muito bom é na escolha dos títulos; se eu pudesse ler por osmose, só por segurar um livro nas mãos, leria certamente quase todos os do Lobo Antunes, só porque os títulos são muito bons. o que acontece é que são quase sempre roubados de outros autores. então, suspeitando que o melhor de Lobo Antunes são os poemas que ele leu, acho que para já prefiro cingir-me ao Sá de Miranda e ao Dylan Thomas.


nota à margem: na mesma altura em que tentei ler A Ordem Natural das Coisas li, de uma ponta à outra, com entusiasmo e paixão, o Memorial do Convento do Saramago cujos contornos, passados tantos anos, começam a esbater-se na minha memória, a pedir releitura, mas não sem se manter intuitivamente no círculo mais ou menos alargado dos meus livros predilectos.





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quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010



a custo


não me deu para assinalar de imediato a efeméride da morte do J.D. Salinger. confesso: precisei de um momento para digerir a coisa, não sem cuspir (mas para dentro) um venenosozinho "morre, cabrão!". é que o Salinger representa, na minha vida literária, um marco semelhante ao da Sylvia Plath. posso dizer que me recordo de muito pouco, com precisão, de todos os livros que li dele. mas basta lembrar-me, por exemplo, das palavrinhas see more glass, para que me doa qualquer coisa que tenta espalhar-se de imediato pelo corpo todo. o ano passado, fiz as pazes com a Sylvia Plath, exorcizando o The Bell Jar. este, poderá ser o ano do senhor Jerome David. a ver vamos. é muito irónica, a minha frase preferida dele:


«Se for consultar o psicanalista, confio em Deus que ele permita que se sente também ao nosso lado um dermatologista, pois sinto que tenho cicatrizes nas mãos por tocar em certas pessoas.»


e em certos livros também.





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domingo, 17 de janeiro de 2010



alguns livros são melhores do que a maioria das pessoas #1


quando eu estava quase a esquecer-me do episódio, fui brindada com uma pérola do mesmo calibre:


- Queria o livro "O Som e a Fúria" de António Lobo Antunes.



o_O





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sexta-feira, 15 de janeiro de 2010



toda a gente procura um lugar onde pousar a cabeça




© Harold's Planet




e já se sabe que uma cabeça só pousa perfeitamente no lugar preparado para a acolher, num pequeno vazio expectante, naquela concavidade terna que é o espaço entre a curva de um pescoço e um ombro, morno, macio, com o cheiro exacto que deve ter, e uma dor fina e subtil se lhe falta a cabeça que nele pouse e que o torne cheio. a história antiquíssima do amor como a cosmogonia clássica o entendia, e que procuramos avidamente todos os dias que desperte nos nossos amores terrenos, assim mais ou menos como na história dos Burros da Orfeu Negro:




da colecção Orfeu Mini






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domingo, 15 de novembro de 2009



planos para dominar o mundo #11


há uns dois ou três por volta desta altura de fim de Outono, cheguei a casa num fim de tarde e sentei-me a ver (sem o saber de antemão) exactamente o filme que me apetecia ver - era o Labirinto do Fauno, que amo de paixão assolapada quase tanto como sou obcecada pelas aventuras da Alice no País das Maravilhas.

no meu aniversário este ano, sentei-me na cama ao fim da tarde e apeteceu-me ver exactamente o filme que me apetecesse ver; então disse em voz alta "apetecia-me ver qualquer coisa como o A Series of Unfortunate Events. liguei a televisão e o filme estava a passar.

gosto destas coisas que são as febres da estação e as coincidências de arrepiar. e como é uma angústia tremenda pensar que não há mais Senhor dos Anéis, que é o meu universo natalício/invernoso por execlência, estou já já a preparar o meu roteiro de literatura fantástica pré-natalícia:









se pudesse, só voltavam a ver-me fora de casa lá para Março. work less, read more, a máxima imprescindível de qualquer manifesto contra o trabalho, com algumas horas de sono excessivas pelo meio, e ai de mim se não vou mesmo parar ao inferno com tanta queda para os pecados capitais.





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quarta-feira, 4 de novembro de 2009



i've seen the life on this planet, that's why i'm looking elsewhere *


não é bem verdade que nada se compara à miséria de um emprego: eu dar-me-ia por contente se tivesse um emprego, mas o que acontece é que o que tenho é só trabalho e algumas chatices. isso é que é a verdadeira miséria. deixei tão abandonado, a meio, o meu A História Fabulosa de Peter Schlemhil de Adelbert Von Chamisso, que pela primeira vez na vida perdi o norte a um livro. não sei onde está, desde a última vez que lhe peguei. entretanto, para compensar, comecei o fabuloso Good Omens de Terry Pratchett e Neil Gaiman, que é exactamente o livro que me apetece ler nesta altura do ano, mas que por motivo do meu grande sono acumulado em consequência de um atropelamento de cansaço, não consegui ir ainda além das duas primeiras páginas. é assim que, juntando o útil ao agradável, encontro o livro perfeito para mim nestas condições:









o universo do imaginário-fantástico-deste-mundo-mas-que-parece-de-outro-ou-vice-versa é o meu escape. e tenho horas de entretenimento garantido. que é como quem diz, uma vida inteira, considerando o tempo livre disponível.





* Fox Mulder, The X-Files





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não sei até que ponto desejo ou não ler este livro num futuro mais ou menos próximo. nem sei até que ponto o fascínio do oriente desabrochou o suficiente para eu desejar esse desejo. o que é certo é que se trata, na minha opinião, da jóia da família - que é como quem diz, da colecção, e Alexandra Lucas Coelho deixou-me rendida ao vê-la (e ouvi-la) de perto. diz que quem viaja, fá-lo avançando contra o medo. o que é de uma violência extrema, para quem se encontra incapaz de se mover.





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spot player special




"us people are just poems"
[ani difranco]


*

calamity.spot[at]gmail.com



~*. through the looking glass .*~




little black spot | portfolio
Baucis & Philemon | tea for two
os dias do minotauro | against demons
menina tangerina | citrus reticulata deliciosa
the woman who could not live with her faulty heart | work in progress
pale blue dot | sala de exposições
o rosto de deus | fairy tales








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~*. rearview mirror .*~


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~*. spying glass .*~


a balada do café triste . ágrafo . albergue dos danados . almanaque de ironias menores . a natureza do mal . animais domésticos . antologia do esquecimento . arquivo fantasma . a rute é estranha . as aranhas . as formigas . as pequenas estruturas do ócio . atelier de domesticação de demónios . atum bisnaga . auto-retrato . avatares de um desejo . baggio geodésico . bananafish . bibliotecário de Babel . bloodbeats . caixa-de-lata . casa de cacela . chafarica iconoclasta . coisa ruim . com a luz acesa . comboio de fantasmas . complicadíssima teia . corpo em excesso de velocidade . daily make-up . detective cantor . dias com árvores . dias felizes . e deus criou a mulher . e.g., i.e. . ein moment bitte . em busca da límpida medida . em escuta . estado civil . glooka . i kant, kant you? . imitation of life . isto é o que hoje é . last breath . livros são papéis pintados com tinta . loose lips sink ships . manuel falcão malzbender . mastiga e deita fora . meditação na pastelaria . menina limão . moro aqui . mundo imaginado . não tenho vida para isto . no meu vaso . no vazio da onda . o amor é um cão do inferno . o leitor sem qualidades . o assobio das árvores . paperback cell . pátio alfacinha . o polvo . o regabofe . o rosto de deus . o silêncio dos livros . os cavaleiros camponeses no ano mil no lago de paladru . os amigos de alex . Paris vs. New York . passeio alegre . pathos na polis . postcard blues . post secret . provas de contacto . respirar o mesmo ar . senhor palomar . she hangs brightly . some variations . tarte de rabanete . tempo dual . there is only 1 alice . tratado de metatísica . triciclo feliz . uma por rolo . um blog sobre kleist . vazio bonito . viajador


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~*. the bell jar .*~



os lugares comuns: against demons . all work and no play . compêndio de vocações inúteis  .  current mood . filosofia e metafísica quotidiana . fruta esquisita menina aflita . inventário crescente de palavras mais-que-perfeitas . miles to go before I sleep . música no coração  .  música para o dia de hoje . o ponto de vista dos demónios . planos para dominar o mundo . this magic moment  .  you came on like a punch in the heart . you must believe in spring


egosfera: a infância . a minha vida dava um post . afirmações identitárias . a troubled cure for a troubled mind . april was the cruellest month . aquele canto escuro que tudo sabe . as coisas que me passam pela cabeça . fruto saturnino (conhecimento do inferno) . gotham style . mafarricar por aí . Mafia . morto amado nunca mais pára de morrer . o exílio e o reino . os diálogos imaginários . os infernos almofadados . RE: de mail . sina de mulher de bandido . the woman who could not live with her faulty heart . um lugar onde pousar a cabeça   .  correio sentimental


scriptorium: (des)considerações sobre arte . a noite . and death shall have no dominion . angularidades . bicho escala-estantes . do frio . do medo . escrever . exercícios . exercícios de anatomia . exercícios de respiração . exercícios de sobrevivência . Ítaca . lunário . mediterrânica . minimal . parágrafos mínimos . poemas . poemas mínimos . substâncias . teses, tratados e outras elocubrações quase científicas  .  um rumor no arvoredo


grandes amores: a thing of beauty is a joy forever . grandes amores . abraços . Afta . árvores . cat powa . colectânea de explicações avulsas da língua portuguesa  .  declaração de amor a um objecto . declaração de amor a uma cidade . desolação magnífica . divas e heróis . down the rabbit hole . drogas duras . drogas leves . esqueletos no armário . filmes . fotografia . geometrias . heart of darkness . ilustraçãoinício . matéria solar . mitologias . o mar . os livros . pintura . poesia . sol nascente . space is the place . the creatures inside my head . Twin Peaks . us people are just poems . verão  .  you're the night, Lilah


do quotidiano: achados imperdíveis . acidentes quotidianos e outros desastres . blogspotting . carpe diem . celebrações . declarações de emergência . diz que é uma espécie de portfolio . férias  .  greves, renúncias e outras rebeliões . isto anda tudo ligado . livro de reclamações . moleskine de viagem . níveis mínimos de suporte de vida . o existencialismo é um humanismo . só estão bem a fazer pouco


nomes: Aimee Mann . Al Berto . Albert Camus . Ana Teresa Pereira  . Bauhaus . Bismarck . Björk . Bond, James Bond . Camille Claudel . Carlos de Oliveira . Corto Maltese . Edvard Munch . Enki Bilal . Fight Club . Fiona Apple . Garfield . Giacometti . Indiana Jones . Jeff Buckley  .  Kavafis . Klimt . Kurt Halsey . Louise Bourgeois . Malcolm Lowry . Manuel de Freitas . Margaret Atwood . Marguerite Duras . Max Payne . Mia Couto . Monty Python . Nick Drake . Patrick Wolf  .  Sophia de Mello Breyner Andresen . Sylvia Plath . Tarantino . The National . Tim Burton


os outros: a natureza do mal . amigos . dedicatórias . em busca da límpida medida . retalhos e recortes



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...it's full of stars...


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