quinta-feira, 2 de janeiro de 2014



The beginning is a very delicate time


Há quase um ano, entrei neste lugar escuro para abrir as janelas de par em par, fazendo promessas que obviamente não saberia cumprir, mas fazendo-as ainda assim, porque a fina melancolia dos grandes momentos de transição assim o determina. Prometi uma arqueologia que não cumpri. Agora, hesito sempre antes de passar os dedos sobre as velhas feridas. Se pudesse, descascava partes de mim como pedaços de pele velha, morta, cuja utilidade se perdeu. Difícil é o exercício de distinguir, no momento da embriaguez ávida da mudança, aquilo que é precioso. As coisas de que nunca nos podemos desfazer. Em Setembro de 2011, esbocei uma nota que nunca viu a luz do dia:


Uma história mais-que-perfeita começou assim, com estrondo e com espanto, madrugada adentro, contra a violência do desencontro, as horas ardendo sobre todos os lugares doridos, e, arriscando a morte, estendemo-nos nesse chão inflamado, mas sobrevivemos, e por isso a história recomeça, ao mesmo som do espanto e da violência e das pequenas mortes, sempre mais-que-perfeita, noite após noite, mês após mês, ano após ano.



Scout Niblett & Will Oldham | Kiss




Etiquetas: , , ,


posted by saturnine | 14:26 | 0 Comentários


---------------------------------------------------------------------------------------------------------------

quinta-feira, 26 de abril de 2012



haunting habbits


Às vezes, abrir este blog assemelha-se demasiado a circular pelo interior de uma casa devastada. Há o apelo da familiaridade, a intimidade dos lugares conhecidos, mas é pouca a vontade de caminhar sobre vidro partido.


Etiquetas: , ,


posted by saturnine | 20:09 | 1 Comentários


---------------------------------------------------------------------------------------------------------------

quarta-feira, 17 de agosto de 2011



How to disappear or not to disappear completely


Um dia, decidi fazer da minha vida um blog, porque não tinha nada melhor que fazer com ela. Traduzi-me num pequeno ponto preto, cheio de inspirações monolíticas, e esse foi o meu melhor exercício de identidade. Nunca uma fuga tão inútil - de si mesmo, para dentro - tão bem se disfarçou de uma vontade de aproximação. A minha inabilidade pessoal e social fez de mim uma excelente blogger, por um tempo determinado (uma das minhas mais sublimes vocações inúteis).

Não esperava que iria um dia crescer, e que esse crescimento iria deixar o rasto da minha fuga a descoberto, reluzindo como o branco do osso no centro de uma fractura exposta. As ligações que, em plena fuga, estabeleci, apresentam-se-me agora na terminação de braços que se agitam, mas não se ligam a coisa nenhuma. Um dia, subitamente, algo abranda, suspende-se a fuga. Agora, tenho habilidades, acreditem-me. Só que estou já demasiado longe e deixei demasiada coisa para trás, não é? É, pois.

As minhas 100 visitas diárias há muito tendem progressivamente para zero, o que me parece perfeitamente de acordo com a minha muito antiga premonição de que um dia este pequeno ponto preto iria encolher encolher encolher até desaparecer completamente. Estou em pleno deserto e sou um mero grão de areia. Aprendi a gostar de cortar as folhas velhas sem remorso. Por agora, meus amigos, este blog está em pause.





Etiquetas: , , ,


posted by saturnine | 19:03 | 10 Comentários


---------------------------------------------------------------------------------------------------------------

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011



Tea for two




Baucis & Philemon





Somos nós. Somos espectaculares. Eu sou aquela que. Ele é o outro. Estamos cá para a viagem. Ainda não temos destino. Mas temos outras coisas.





Etiquetas: , , , ,


posted by saturnine | 11:47 | 2 Comentários


---------------------------------------------------------------------------------------------------------------

terça-feira, 20 de julho de 2010



the hard way


A vida custa. Crescer e essas coisas. A gente acaba por ter que se ocupar de coisas pouco eloquentes como por a roupa a lavar depois dos festivais de verão. Intriga-me - eu, uma blogger compulsiva e inveterada com 7 (SETE!) anos de little black spot ter, recentemente, tão pouco para dizer ao mundo. Tenho uma certa saudade do tempo em que a minha vida efectivamente dava um post, e me dava ao luxo de passar o tempo a construir o drama da minha vida segundo o design cautelosamente delineado de uma complexa rede de implicações líricas.
Mas aí é que está. viver à custa da lógica sem lógica dos posts é respiração assistida, sobrevivência com os dias contados à partida. Quer dizer, não me entendam mal, continuo a ser uma blogger profissional de alto nível. Continua a ser bonita a construção lírica dos dramas quotidianos. Gosto do poder simbólico das imagens e das letras e gosto da ideia de que isto anda sempre tudo ligado. Mas há outras coisas, a vida dentro da vida. Vivo melhor desde que penso menos - o que significa que penso melhor. Deixei de ter tempo para dizer coisas ao mundo quando descobri que bom bom é fazer as coisas.
Ufa, a adolescência já passou. Que alívio, foi só um sonho mau. Ainda sou uma personagem aqui dentro, mas já não uma little trouble girl. Sou apenas uma regular girl com um conhecimento preciso do inferno. Este ano, troquei The National pela Sharon Jones e os seus Dap Kings e soube-me bem. Ah e tal, a depressão é muito fixe e coiso, mas na hora da verdade o soul é que rula.







Sharon Jones & The Dap Kings | I learned the hard way






Etiquetas: , ,


posted by saturnine | 10:41 | 11 Comentários


---------------------------------------------------------------------------------------------------------------

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010



revelação famigliar:


continuo a registar um número considerável de lapsus teclae de qualidade. agora, por algum motivo, acontece-me reparar mais frequentemente neles antes de clicar no "send".





Etiquetas: ,


posted by saturnine | 12:52 | 0 Comentários


---------------------------------------------------------------------------------------------------------------

terça-feira, 22 de dezembro de 2009



it's that funny time of year




Bill Medcalf




o little black spot quase não tem tempo para piscar os olhos e dormir. o little black spot quase não tem energia para respirar. o little black spot continua a manifestar secreta mas fervorosamente o desejo da proibição do trabalho e a proclamar os benefícios da infância para sempre. o little black spot é pequenino e, por razões óbvias, detesta isto de ser gente grande. mas o little black spot este ano fez as suas compras de Natal antes da última semana e pode agora rir-se maléficamente do desespero dos outros a correr para os centros comerciais como quem corre para o inferno, e tem a sua primeira árvore de Natal em casa, e tem a musiquinha da época a tocar no leitor, e tem doce de abóbora com canela e nozes para comer com requeijão debaixo de uma mantinha enquanto está frio e chuva lá fora. e tem o melhor de tudo, dez dedos de pés que com os seus fazem vinte, debaixo da mantinha. ao little black spot só lhe falta um gatinho na casa nova, para ao menos ter desculpa para pedir um aumento ("tenho um gato para criar!"). entretanto, o little black spot vai ficar quietinho, enquanto sobrevive, à espera da neve, com votos de um Feliz Natal para todos, mesmo os que odeiam a época.






Julie London | I'd like you for Christmas






Etiquetas: , , , ,


posted by saturnine | 13:38 | 6 Comentários


---------------------------------------------------------------------------------------------------------------

domingo, 18 de outubro de 2009



man, it was really fast!


não dormi durante quarenta e oito trinta e seis horas (e a prova disso é que ainda não recuperei a habilidade para fazer contas). passei o limbo da directa e sobrevivi - não sem a difusa memória de me ter metamorfoseado em abóbora e em zombie e num ser vagamente alucinado com lentes de contacto pregadas aos olhos. andei pelas ruas com sapos príncipes e lagostas, OVNI's e joaninhas voa-voa, rãs saltitonas e cogumelos gigantes. estive no meio de uma alucinação colectiva com o Darth Vader, mas o Darth Vader perdeu-se e não apareceu. corremos pela rua fora em direcção à Velha-a-Branca de computador na mão ainda a renderizar um filme. conseguimos entregar o filme, mas esquecemo-nos da cena final. no fim da noite, a exibição dos filmes transformou-se num fiasco devido a uma série de problemas técnicos e assim pudemos culpar a organização. no meio disto tudo, comprovou-se que a Lei de Murphy e seus corolários são uma das únicas verdades universas incontestáveis, e ao longo de cerca de 24 horas pudemos perceber que, não só


If anything can go wrong, it will go wrong



mas também que


If anything simply cannot go wrong, it will anyway




e acima de tudo que


If there is a worse time for something to go wrong, it will happen then




sim, estivemos no Fast Forward e foi a puta da loucura. thumbs up, voltamos para o ano.



Etiquetas: , , ,


posted by saturnine | 14:20 | 1 Comentários


---------------------------------------------------------------------------------------------------------------

terça-feira, 29 de setembro de 2009



meter o lixo debaixo do tapete


o grande e insuperável benefício da passagem dos anos é a questão da perspectiva: o abrandamento inevitável, ainda que possa assinalar uma dura transição, tem sempre a vantagem de permitir desfrutar muito mais da paisagem. e, em retrospectiva, as grandes causas já não parecem assim tão grandes. em compensação, o universo alarga-se um pouquinho mais além do círculo do próprio umbigo. digo eu, claro, que vivi fechada dentro da minha própria cabeça quase até aos 30 anos, e percebi entretanto que é fixe estar a par das coisas que acontecem no mundo à nossa volta. ainda que, na generalidade, as pessoas me aborreçam e me cause fastio a maioria das coisas que com elas se relacionam.
há que assumi-lo, é muito pouco aquilo que me desperta verdadeiro interesse... os meus livros, os meus discos, os amigos e a família, o amor, o tempo livre para não fazer a ponta de um chavo. depois, vem o trabalho que, apesar de dever ser proibido por lei, sempre ajuda a definir identidade e carácter. e vá... se não é ele próprio causador de depressão, sempre pode ajudar a escapar-lhe.isto tudo para dizer que eu era um ser extremamente parvo aos 20 anos. e já era um bocado parva na adolescência. são, portanto, muitos anos de parvoíce que eu, de bom grado, esconderia debaixo do tapete. nessa impossibilidade, surge o auxílio da perspectiva: 'estou muito mlhor agora.'

este já foi um blog de muitas coisas: de arte, de música, de livros, de astronomia, de parvoíces, de escrita, de cartoons, de correspondência sentimental, and soi on and soi on... sempre tudo ao molho e fé em dEUS. já teve 300 000 layouts diferentes, com sidebar, sem sidebar, já teve descrição e depois teve legenda, já foi tão sério que dava vontade de rir, já cometeu bloguicídio várias vezes, mas voltou sempre, já foi pateta, já foi melodramático, já foi super cool, já foi aquilo que me ia apetecendo que ele fosse. um pouco bipolar, vagamente esquizo aqui e ali, eu prefiro dizer que ecletismo é a palavra de ordem. a verdade é que estão aqui 6 anos da minha vida. este blog torna-se inequivocamente uma espécie de diário. de viagem, diria. há-de continuar, sobre tudo e sobre nada, essencialmente veículo da minha posta de pescada ocasional. afinal de contas, a minha vida dava bué de posts.





Etiquetas: , ,


posted by saturnine | 19:49 | 6 Comentários


---------------------------------------------------------------------------------------------------------------

segunda-feira, 7 de setembro de 2009



não negue à partida uma ciência que desconhece


eu, que, não sendo propriamente um Jamie Oliver, até faço uma lasagna de legumes de chorar por mais, e umas batatinhas gratinadas com queijo e pimentão que fazem as delícias de qualquer almoço de domingo, ainda não consegui perceber exactamente a ciência de estrelar um ovo.





Etiquetas:


posted by saturnine | 10:54 | 4 Comentários


---------------------------------------------------------------------------------------------------------------

quinta-feira, 3 de setembro de 2009



o enunciamento do descontentamento


dizem sempre que isto de festejar aniversários a partir de uma certa idade é uma seca e que custa cada vez mais e que é um aborrecimento e não sei que mais. eu concordo. estou enfastiadíssima. é terrível, ter que me sujeitar a festejar o meu aniversário aqui:







piscina de água aquecida, spa suspenso a mil metros de altitude, massagens relaxantes, a melhor paisagem do nordeste transmontano, a melhor companhia do mundo... francamente, as coisas a que uma pessoa se sujeita.





Etiquetas: , ,


posted by saturnine | 19:49 | 5 Comentários


---------------------------------------------------------------------------------------------------------------

segunda-feira, 31 de agosto de 2009



a posta de pescada ocasional (ou como quem diz ninguém me perguntou nada, mas...)


eu não conhecia a Pipoca Mais Doce antes de o livro ter chegado às livrarias. ah e tal, é um fenómeno super-giro, a menina criou uma personagem, mas é só a brincar, e a sério até escreve muito bem e tal e coiso. pois então fui folhear o livro e espreitar o blog, para ver a dimensão do fenómeno. é normalzinho. está dentro da média. é uma personagem, de facto, igual aos outros milhares de personagens de pós-adolescente-mulher-moderna-emancipada-super-fashion-super-cool que encontramos por toda a parte e nos blogs também. nada de novo. aquilo que eu acho é que a Pipoca quis ser o Sexo e a Cidade dos blogs (e tem alguma piada e tal, mas ainda assim não chegou lá). é que este é um mundo cruel, e muito cheio de pesos-pesados - bem entendido, gente que sabe o que faz e como fazê-lo bem. a Pipoca certamente gostaria de ter sido uma mini-saia ou uma Rititi, mas man... não é assim tão fácil ser uma gaja fixe e emancipada e com piada e sem usar todos os clichés que todas as gajas que querem ser fixes costumam usar. é que, como diz a Rititi, hay que tenerlos!





Etiquetas: , ,


posted by saturnine | 13:50 | 0 Comentários


---------------------------------------------------------------------------------------------------------------

domingo, 26 de julho de 2009



vendi-me


cheguei (finalmente) ao Twitter como a quase todas as coisas da minha vida, principalmente a tecnologia: atrasada, desconfiada, contrariada. começa por não me interessar absolutamente nada, não saber como funciona, não saber para serve; converto-me quando já não posso mais ouvir falar no assunto, e necessito saber se estou de facto a perder alguma coisa... imperdível. mas na verdade, isto assusta-me tudo um bocado. tenho um blog, tenho myspace, tenho facebook, tenho last.fm e agora tenho um twitter. o que é que se segue? uma ligação directa à realidade virtual, tipo Existenz?









Etiquetas: ,


posted by saturnine | 13:59 | 6 Comentários


---------------------------------------------------------------------------------------------------------------

terça-feira, 27 de janeiro de 2009



why i oughta...


por isto e por isto, não resisti. mas não sei que pouca-vergonhice é esta, eu juro que só respondi a perguntas de bem.





You're Lolita!

by Vladimir Nabokov


Considered by most to be depraved and immoral, you are obsessed with sex. What really tantalizes you is that which deviates from societal standards in every way, though you admit that this probably isn't the best and you're not sure what causes this desire. Nonetheless, you've done some pretty nefarious things in your life, and probably gotten caught for them. The names have been changed, but the problems are real. Please stay away from children.


Take the Book Quiz
at the Blue Pyramid.






Etiquetas: ,


posted by saturnine | 22:29 | 5 Comentários


---------------------------------------------------------------------------------------------------------------

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009



status quo



posted by saturnine | 14:36 | 4 Comentários


---------------------------------------------------------------------------------------------------------------

domingo, 14 de dezembro de 2008



sometimes the story of my life comes crashing on my head again #2





há 13 anos, este disco fazia todo o sentido. era uma adolescente plenamente dentro do arquétipo, as cliché as it gets. roupa escura, Doc Martens nos pés, olhos com sombras pretas para disfarçar outras sombras pretas por trás, a angústia da inadaptação generalizada, a fé incondicional nos Doors, na Janis Joplin e nos Nirvana. era o tempo de preparar terreno para a queda urbano-depresiva que se avizinhava, com a descoberta dos Joy Division - ainda hoje, o verso just watching the trees and the leaves as they fall [The Eternal] parece-me a coisa mais brutalmente triste que já ouvi. nessa altura era a Creep dos Radiohead a música da minha vida, emblema que era do quão miserável era a existência quando não se tem qualquer noção de lugar. a chegada de um disco com o nome Mellon Collie and The Infinite Sadness era como uma Anunciação, toda eu desejava ardentemente um disco que justificasse por inteiro a minha tristeza sem fim e sem rumo. mas depois da parvoíce da tristeza sem fim (na altura só conhecia o estado vulgarmente desginado como o estar na merda, não estava ainda familiarizada com essoutro, vindouro, do rock bottom, fifty feet of crap, and then me), quem é que não gostaria de procurar a salvação numa canção?


Believe that life can change
That youre not stuck in vain


Tonight, Tonight



os Smashing Pumpkins traziam-nos a promessa fácil de que havia qualquer coisa a que agarrarmo-nos, embora nunca tenhamos sabido muito bem o que era. o que importava era saber que o inferno da adolescência passaria, que não estaríamos perdidos para sempre, que a vida um dia haveria de dar um salto e haveríamos de crescer e ser coisas diferentes e melhores. eu, a quem a adolescência claramente ainda não passou, que ainda espero que uma canção salve a minha vida, vejo-me como um bichinho numa concha, a olhar o mundo, à espera que algo aconteça. e acontece, quando um bicho semelhante nos olha de súbito do interior de outra concha e, inesperadamente, nos reconhecemos iguais. havia uma canção dos Eels para isto:


One day the world will be ready for you
and wonder how they didn't see


Spunky



não sei, mas isto soa-me qualquer coisa a promessa cumprida. não era, portanto, em vão o lamaçal e o degredo de tanto anos a que penosamente sobrevivemos. estás aí, mundo? estás finalmente a ver-me?






© www.garfield.com





Etiquetas: , , , ,


posted by saturnine | 00:38 | 3 Comentários


---------------------------------------------------------------------------------------------------------------

sexta-feira, 10 de outubro de 2008



I can fly, can you?


ontem voei. tive uns bons 10 segundos de imortalidade. flutuei no vazio terrorífico do tempo que se suspende, por breves instantes, como a minha respiração, também sustida. nenhum som em redor senão o cavalgar desenfreado do meu coração a querer saltar para fora do peito. cerca de 20 metros em queda livre, e é tão claro como o medo é, apesar de tudo, a melhor coisa que existe, a única coisa que nos separa - na maioria das vezes - da auto-destruição, mecanismo automático que é da auto-preservação. ontem desafiei todos os (meus) limites, e pelo caminho os do meu pobre coração insuficiente. quando me queria arrepender, já era tarde de mais. já estava suspensa sobre o vazio, e a voz que me sustentava segundos antes - sentes as minhas mãos? - já soava distante, como um passado - azar do caraças, porque vou tirá-las. e assim me atirei abaixo de uma ponte, acreditando que podia voar, e voei de facto, por breves momentos, até as cordas me interromperem a queda e me assegurarem que o meu destino não era o de Ícaro. com os pés de volta em solo firme, sentia-me gigante, como se não coubesse dentro do meu corpo. poderia fazer qualquer coisa, era maior que tudo, maior que o mundo. era um resíduo de imortalidade, para o qual não há palavras, nem comparação.
hoje, e factura não tardou e é bem pesada. todo o corpo me dói violentamente como se tivesse sido brutalmente açoitado. o meu pescoço é um prato de esparguete ferido. ainda assim é coisa pouca, em comparação com as noites bem dormidas que se avizinham. contra a insónia, as descargas de adrenalina. é-me subitamente claro que hoje já não sou de modo algum a mesma pessoa que era ontem quando acordei. quem disse que aos homens não estão acessíveis as coisas dos deuses?



Etiquetas: , ,


posted by saturnine | 17:28 | 0 Comentários


---------------------------------------------------------------------------------------------------------------


das coisas semi-divinas, ou da imortalidade na mortalidade


ontem voei. tive uns bons 10 segundos de imortalidade. flutuei no vazio terrorífico do tempo que se suspende, por breves instantes, tal como a minha respiração, também sustida. nenhum som em redor senão o cavalgar desenfreado do meu coração a querer saltar para fora do peito. faltando-nos o chão sob os pés, e é tão claro como o medo é, apesar de tudo, a garantia da sobrevivência; a única coisa que nos separa - na maioria das vezes - da auto-destruição, mecanismo automático que é da auto-preservação. ontem arrisquei desafiar os (meus) limites, e os do meu pobre coração insuficiente. quando me queria arrepender, já era tarde de mais. já estava suspensa sobre o vazio, a iniciar cerca de 20 metros de queda livre em direcção ao mundo vagamente presente lá em baixo. num instante senti que morria, noutro um resíduo de importalidade, para o qual não há palavras nem comparação. quem disse que aos homens não estão acessíveis as coisas dos deuses?



Etiquetas: , ,


posted by saturnine | 17:28 | 3 Comentários


---------------------------------------------------------------------------------------------------------------

quarta-feira, 3 de setembro de 2008



oh yeah sure



posted by saturnine | 00:15 | 0 Comentários


---------------------------------------------------------------------------------------------------------------

terça-feira, 12 de agosto de 2008



O ponto de vista dos demónios #31


aprendi logo aos 12 anos uma das mais importantes lições da minha vida: a cena da donzela ofendida não funciona. não no mundo real. era em Londres. eu queria muito que aquele rapaz ali ficasse o resto da noite e que se desfizesse em enfatuados desejos por mim, mas não ia haver cá nada de abusos. e claro, resultado: não houve cá coisa nenhuma, o gajo raspou-se. o meu ego ferido chorou baba e ranho, fez o célebre número ai eu ai eu ai eu que vou morrer de desgosto, não há por acaso por aí daquele veneno que a Julieta tomou? decidi instantaneamente que ia amuar para sempre. ou pelo menos até ele se sentir suficientemente culpado para me vir cair aos pés. durou-me uns cinco minutos. vá, uma tarde. um passeio de barco falhado pelo Tamisa (os desencontros também têm coisas boas), e a Grande Deusa dos Espíritos Mafiosos teve oportunidade de logo ali iluminar o meu pobre espírito atormentado. percebi de imeditado que provavelmente ele ficaria baralhadíssimo se, no regresso, não mais me encontrasse chorosa e ofendida, mas antes com a boa disposição e a querideza de sempre. o dito cagar no assunto. a Deusa não me enganou. um olhar incrédulo, um segundo de hesitação, um esgar de admiração, e pronto, tinha-o no meu território outra vez. nunca mais caímos aos pés um do outro, mas fomos grandes amigos (dos melhores) até a geografia nos separar.
naquela altura, naquele preciso momento de inversão de estratagema, ainda que ingenuamente, algo aconteceu. na altura eu ainda não o sabia, mas estava a assinar um pacto com o diabo. ao assumir um despudor absoluto em passar por cima de qualquer desconsideração, em nome de um interesse afectivo maior que pretendia orquestrar, abraçava oficialmente a minha sina de mulher de bandido. nunca mais pude escapar-lhe, nunca mais me foi fácil gostar de alguém que gostasse de mim. passei a viver sempre no lado errado da noite, buscando consolo em bocas proibidas, impossíveis. não é, de todo, uma apologia do sofrimento inútil. é só assim que as coisas são. as pessoas são más. eu sou uma pessoa má. e como em tudo, há conforto no reconhecimento, e há a impossibilidade da fuga a uma natureza comum. metade de mim, pertence ao reino dos infernos. também me habituei a conviver, portanto, com os lugares errados da minha cabeça. as minhas leis são mais epidérmicas que morais. o corpo é como um habitáculo gigantesco para toda a porcaria que somos capazes de fazer. e o que somos capazes de fazer é coisa para nos transformar, moldar a forma do nosso corpo.
(i suppose i should be happy to be misread, better be that than some of the other things i have become. aimee mann.)
há uma certa dose de cinismo a que não se pode escapar. acredita-se menos na limpeza das almas, muito pouco na pureza das matérias, quase nada em asceses e histórias felizes. mas por outro lado, não se foge à maldição do amor, à violência da paixão, ao castigo da solidão. uma lição mal aprendida, ou um fascínio desmesurado pela aceleração em queda no abismo, eu sei que vou cair, e caio de bom grado, onde eu toco tudo se transforma em ferida, o amor é uma maldição que eu procuro, porque eu tenho milhas para andar antes de dormir mas espero um dia ainda adormecer, tenho três grandes desgostos, que precisam de três grandes esgotos, quem me dera ter três ventrículos no coração. o cinismo convém à idade adulta, quando não nos podemos furtar à convivência. eu, que tenho um coração elástico, sou capaz das mais inacreditáveis acrobacias. elasteço, endureço, morro uma pequena morte e regresso, com aquela forma mansa de gostar que resiste à decepção. o meu rosto, que eu achava que ia envelhecer demasiado cedo, demasiado depressa, como o de Duras, não envelheceu. mas o fruto da minha boca é tão amargo quanto doce. quando eu mordo, é para matar. tudo me dói, muito em particular o estar viva, e o mundo inteiro é a minha expiação. confesso que gosto cada vez menos de pessoas, ao passo que gosto mesmo muito de algumas, bandidas, filhas da puta. sou capaz de gostar infinitamente de quem me faz mal.
à margem, cresce uma certa magnanimidade desconcertante. tenho 12 anos outra vez e aprendi uma lição. uma vida fodida vale aquilo que vale. o perdão é uma coisa fátua, um mito judaico-cristão semelhante ao da culpa. mas poderia dizer que a capacidade para o perdão aumenta na proporção directa do desejo em questão. por isso é tão complicado justificar-me (e por isso tão raramente o faço). poucos compreendem a capacidade de gostar além da decepção. os meus melhores e mais antigos amigos sabem que jogamos sempre um jogo de harmónio, como a respiração do universo: ora inspiramos, ora expiramos, ora próximos, íntimos, ora afastados, distantes. é um ciclo que precisa de poucas palavras. é uma lição que demorou um pouco mais a ser aprendida. a certa altura, sabemos, apenas. como o ritmo cadente das marés. vai-se, mas volta-se. eu aprendi, como Penélope, o nobre ofício da espera. enquanto encosto ao lado errado da noite, entre bocas e corpos proibidos, tenho três grandes desgostos que não saram, que não poderão nunca sarar, e uma série de amores emergentes, algumas noites de insónia, alguns momentos breves de estar perto de qualquer coisa, como quando respira perto do meu pescoço um certo homem moreno, que diz que gosta de Boris Vian.





Etiquetas: , , , , ,


posted by saturnine | 00:46 | 9 Comentários


---------------------------------------------------------------------------------------------------------------

spot player special




"us people are just poems"
[ani difranco]


*

calamity.spot[at]gmail.com



~*. through the looking glass .*~




little black spot | portfolio
Baucis & Philemon | tea for two
os dias do minotauro | against demons
menina tangerina | citrus reticulata deliciosa
the woman who could not live with her faulty heart | work in progress
pale blue dot | sala de exposições
o rosto de deus | fairy tales








---------------------------------------------------------------------------------------------------------------


~*. rearview mirror .*~


maio 2003 . junho 2003 . julho 2003 . agosto 2003 . setembro 2003 . outubro 2003 . novembro 2003 . dezembro 2003 . janeiro 2004 . fevereiro 2004 . março 2004 . abril 2004 . maio 2004 . junho 2004 . julho 2004 . agosto 2004 . setembro 2004 . outubro 2004 . novembro 2004 . dezembro 2004 . janeiro 2005 . fevereiro 2005 . março 2005 . abril 2005 . maio 2005 . junho 2005 . julho 2005 . agosto 2005 . setembro 2005 . outubro 2005 . novembro 2005 . dezembro 2005 . janeiro 2006 . fevereiro 2006 . março 2006 . abril 2006 . maio 2006 . junho 2006 . julho 2006 . agosto 2006 . setembro 2006 . outubro 2006 . novembro 2006 . dezembro 2006 . janeiro 2007 . fevereiro 2007 . março 2007 . abril 2007 . maio 2007 . junho 2007 . julho 2007 . agosto 2007 . setembro 2007 . outubro 2007 . novembro 2007 . dezembro 2007 . janeiro 2008 . fevereiro 2008 . março 2008 . abril 2008 . maio 2008 . junho 2008 . julho 2008 . agosto 2008 . setembro 2008 . outubro 2008 . novembro 2008 . dezembro 2008 . janeiro 2009 . fevereiro 2009 . março 2009 . abril 2009 . maio 2009 . junho 2009 . julho 2009 . agosto 2009 . setembro 2009 . outubro 2009 . novembro 2009 . dezembro 2009 . janeiro 2010 . fevereiro 2010 . março 2010 . maio 2010 . junho 2010 . julho 2010 . agosto 2010 . outubro 2010 . novembro 2010 . dezembro 2010 . janeiro 2011 . fevereiro 2011 . março 2011 . abril 2011 . maio 2011 . junho 2011 . julho 2011 . agosto 2011 . setembro 2011 . outubro 2011 . janeiro 2012 . fevereiro 2012 . março 2012 . abril 2012 . maio 2012 . junho 2012 . setembro 2012 . novembro 2012 . dezembro 2012 . janeiro 2013 . janeiro 2014 . julho 2015 .


---------------------------------------------------------------------------------------------------------------


~*. spying glass .*~


a balada do café triste . ágrafo . albergue dos danados . almanaque de ironias menores . a natureza do mal . animais domésticos . antologia do esquecimento . arquivo fantasma . a rute é estranha . as aranhas . as formigas . as pequenas estruturas do ócio . atelier de domesticação de demónios . atum bisnaga . auto-retrato . avatares de um desejo . baggio geodésico . bananafish . bibliotecário de Babel . bloodbeats . caixa-de-lata . casa de cacela . chafarica iconoclasta . coisa ruim . com a luz acesa . comboio de fantasmas . complicadíssima teia . corpo em excesso de velocidade . daily make-up . detective cantor . dias com árvores . dias felizes . e deus criou a mulher . e.g., i.e. . ein moment bitte . em busca da límpida medida . em escuta . estado civil . glooka . i kant, kant you? . imitation of life . isto é o que hoje é . last breath . livros são papéis pintados com tinta . loose lips sink ships . manuel falcão malzbender . mastiga e deita fora . meditação na pastelaria . menina limão . moro aqui . mundo imaginado . não tenho vida para isto . no meu vaso . no vazio da onda . o amor é um cão do inferno . o leitor sem qualidades . o assobio das árvores . paperback cell . pátio alfacinha . o polvo . o regabofe . o rosto de deus . o silêncio dos livros . os cavaleiros camponeses no ano mil no lago de paladru . os amigos de alex . Paris vs. New York . passeio alegre . pathos na polis . postcard blues . post secret . provas de contacto . respirar o mesmo ar . senhor palomar . she hangs brightly . some variations . tarte de rabanete . tempo dual . there is only 1 alice . tratado de metatísica . triciclo feliz . uma por rolo . um blog sobre kleist . vazio bonito . viajador


---------------------------------------------------------------------------------------------------------------


~*. the bell jar .*~



os lugares comuns: against demons . all work and no play . compêndio de vocações inúteis  .  current mood . filosofia e metafísica quotidiana . fruta esquisita menina aflita . inventário crescente de palavras mais-que-perfeitas . miles to go before I sleep . música no coração  .  música para o dia de hoje . o ponto de vista dos demónios . planos para dominar o mundo . this magic moment  .  you came on like a punch in the heart . you must believe in spring


egosfera: a infância . a minha vida dava um post . afirmações identitárias . a troubled cure for a troubled mind . april was the cruellest month . aquele canto escuro que tudo sabe . as coisas que me passam pela cabeça . fruto saturnino (conhecimento do inferno) . gotham style . mafarricar por aí . Mafia . morto amado nunca mais pára de morrer . o exílio e o reino . os diálogos imaginários . os infernos almofadados . RE: de mail . sina de mulher de bandido . the woman who could not live with her faulty heart . um lugar onde pousar a cabeça   .  correio sentimental


scriptorium: (des)considerações sobre arte . a noite . and death shall have no dominion . angularidades . bicho escala-estantes . do frio . do medo . escrever . exercícios . exercícios de anatomia . exercícios de respiração . exercícios de sobrevivência . Ítaca . lunário . mediterrânica . minimal . parágrafos mínimos . poemas . poemas mínimos . substâncias . teses, tratados e outras elocubrações quase científicas  .  um rumor no arvoredo


grandes amores: a thing of beauty is a joy forever . grandes amores . abraços . Afta . árvores . cat powa . colectânea de explicações avulsas da língua portuguesa  .  declaração de amor a um objecto . declaração de amor a uma cidade . desolação magnífica . divas e heróis . down the rabbit hole . drogas duras . drogas leves . esqueletos no armário . filmes . fotografia . geometrias . heart of darkness . ilustraçãoinício . matéria solar . mitologias . o mar . os livros . pintura . poesia . sol nascente . space is the place . the creatures inside my head . Twin Peaks . us people are just poems . verão  .  you're the night, Lilah


do quotidiano: achados imperdíveis . acidentes quotidianos e outros desastres . blogspotting . carpe diem . celebrações . declarações de emergência . diz que é uma espécie de portfolio . férias  .  greves, renúncias e outras rebeliões . isto anda tudo ligado . livro de reclamações . moleskine de viagem . níveis mínimos de suporte de vida . o existencialismo é um humanismo . só estão bem a fazer pouco


nomes: Aimee Mann . Al Berto . Albert Camus . Ana Teresa Pereira  . Bauhaus . Bismarck . Björk . Bond, James Bond . Camille Claudel . Carlos de Oliveira . Corto Maltese . Edvard Munch . Enki Bilal . Fight Club . Fiona Apple . Garfield . Giacometti . Indiana Jones . Jeff Buckley  .  Kavafis . Klimt . Kurt Halsey . Louise Bourgeois . Malcolm Lowry . Manuel de Freitas . Margaret Atwood . Marguerite Duras . Max Payne . Mia Couto . Monty Python . Nick Drake . Patrick Wolf  .  Sophia de Mello Breyner Andresen . Sylvia Plath . Tarantino . The National . Tim Burton


os outros: a natureza do mal . amigos . dedicatórias . em busca da límpida medida . retalhos e recortes



---------------------------------------------------------------------------------------------------------------

...it's full of stars...


This page is powered by Blogger. Isn't yours?

blogspot stats