demorei a chegar a isto, por falta de sol. hoje, se falo de jardins, é para resistir. para, num desses lugares dentro da memória, me esconder do frio, deste Maio mentiroso que atrasa a primavera.
quando penso em jardins, prefiro sempre pensar em qualquer coisa de fantástico, uma Alice minúscula perdida no meio de cogumelos gigantes e coloridos, lagartas que falam e se passeiam entre estranhas plantas, um mundo estranho a pulular de vida. preferia habitar um jardim assim, imaginário. à falta disso, tenho este:
Faculdade de Belas Artes do Portochamamos-lhe, quando por lá andamos, os 'jardins da FBAUP'. têm aquela característica muito particular do lugar estranho, simultaneamente cheios de boas e más vibrações. há uma certa negatividade no ar, que nos afasta, mas ao mesmo tempo uma doçura extrema, que nos pede que abrandemos e nos detenhamos por ali, só um pouco, a ser felizes. há caminhos escuros, sob o hálito fresco das árvores, onde inesperadamente as esculturas nos surjem, antigas, da sombra para a luz. há depois um lugar, em frente ao pequeno lago onde nadam os patos, onde é possível estendermo-nos ao sol, pensando em nada, esquecendo por completo uma aula que nos aguarda em qualquer parte. sobre os patos... não há jardim da FBAUP sem os patos. vemo-los o dia inteiro, em grupo, a patinharem de um lado para o outro, mergulhando na água, passeando pelo sol, grasnando junto aos vidros das janelas. são os nossos animais de estimação. ou eram. não sei se ainda existem os patos das Belas Artes, nem se sobrevivem os gatos que acolhíamos. é que se tornarem esses jardins um lugar estranho, agora que já não habitam neles os amigos com quem eu passeava.
Palácio de Cristal, Portochamamos-lhe assim mesmo, os 'jardins do Palácio'. porque aqui há, no preâmbulo de verão, em cada ano, uma Feira do Livro que é pretexto para passear ao ar livre, sob o sol, auscultando os ruídos da terra junto ao perfume das flores. porque aqui há animais, pavões majestosos que circulam pelo meio das pessoas, por vezes lançam-se em grandes saltos e entoam gritos que se ouvem por todo o lado, à procura de companheira. porque daqui se vê o rio Douro, que ao longe parece quase azul. mas acima de tudo, porque aqui amei, re-aprendi o amor, e deve ter sido aqui que vi pela primeira vez a ponta do abismo que escalava.
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