Vou por aí. Vou em busca da minha merecida dose de sol, mar, areia, sal, verão. Férias, carai. Vou ali lavar a alma e já venho. Vou limpar o corpo do mofo de um longo inverno e vou fazer da praia o meu bálsamo contra as dores de crescimento. Vou com Florence ans The Machine a abrir a banda sonora e vou convicta de ir em direcção às noites perfumadas, ao céu despovoado do sul, à minha colecção de azuis-perfeitos. Vou só ali ser feliz um instante. Até breve.
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segunda-feira, 26 de julho de 2010
antecipação:
Edward Hopper | Room by the sea
Como se poderá perceber pela escalada do tom deste blog nos últimos dias, aquilo de que mais gosto no ano inteiro é, no verão, o curto período que antecede imediatamente a partida para férias. A preparação. O ritual. A antecipação dos lugares, o devaneio deliciado, a escolha cuidadosa das leituras e da banda sonora. Levo comigo o aforismo de René Char e agora também eu sei que quem ama o girassol não meditará dentro de casa (in your fucking face, agoraphobia!). Vou em direcção aos campos de girassóis, em direcção ao mar, verão adentro. É bom o exílio, é boa a dor martirizada sobre o corpo, para que seja transbordante a alegria da conquista de um reino. Vou para encontrar-me entre iguais. E vou bem acompanhada. Tenho o meu lugar onde pousar a cabeça, e tenho algumas horas de boa música para a viagem. E meti na mala estes companheiros:
O jardim dos Finzi-Contini, Giorgio Bassani Verão, Edith Wharton Raparigas da província, Edna O'Brien Estranho é viver, Carmen Martín Gaíte The suspicions of Mr. Whicher, Kate Summerscale
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a little bit more on less is more
É verdade que não é só o lugar que condiciona a construção da identidade. Houve um momento chave, em que me veio parar às mãos a obra completa da Sophia de Mello Breyner Andresen.
As grutas
O esplendor poisava solene sobre o mar. E – entre duas pedras erguidas numa relação tão justa que é talvez ali o lugar da Balança onde o equilíbrio do homem com as coisas é medido – quase me cega a perfeição como um sol olhado de frente. Mas logo as águas verdes em sua transparência me diluem e eu mergulho tocando o silêncio azul e rápido dos peixes. Porém a beleza não é solene mas também inumerável. De forma em forma vejo o mundo nascer e ser criado. Um grande rascasso vermelho passa em frente de mim que nunca antes o imaginara. Limpa, a luz recorta promontórios e rochedos. É tudo igual a um sonho extremamente lúcido e acordado. Sem dúvida um mundo novo nos pede novas palavras, porém é tão grande o silêncio e tão clara a transparência que eu muda encosto a minha cara na superfície das águas lisas como um chão. As imagens atravessam os meus olhos e caminham para além de mim. Talvez eu vá ficando igual à almadilha da qual os pescadores dizem ser apenas água. Estarão as coisas deslumbradas de ser elas? Quem me trouxe finalmente a este lugar? Ressoa a vaga no interior da gruta rouca e a maré retirando deixou redondo e doirado o quarto de areia e pedra. No centro da manhã, no círculo do ar e do mar, no alto do penedo, no alto da coluna está poisada a rola branca do mar. Desertas surgem as pequenas praias. Eis o mar e a luz vistos por dentro. Terror de penetração na habitação secreta da beleza, terror de ver o que nem em sonhos eu ousara ver, terror de olhar de frente as imagens mais interiores a mim do que o meu próprio pensamento. Deslizam os meus ombros cercados de água e plantas roxas. Atravesso gargantas de pedra e a arquitectura do labirinto parece roída sobre o verde. Colunas de sombra e luz suportam céu e terra. As anémonas rodeiam a grande sala de água onde os meus dedos tocam a areia rosada do fundo. E abro bem os olhos no silêncio líquido e verde onde rápidos, rápidos fogem de mim os peixes. Arcos e rosáceas suportam e desenham a claridade dos espaços matutinos. Os palácios do rei do mar escorrem água e luz. Esta manhã é igual ao princípio do mundo e aqui eu venho ver o que jamais se viu. O meu olhar tornou-se liso como um vidro. Sirvo para que as coisas se vejam. E eis que entro na gruta mais interior e mais cavada. Sombrias e azuis são as águas e paredes. Eu quereria poisar como uma rosa sobre o mar o meu amor neste silêncio. Quereria que o contivesse para sempre o círculo de espanto e de medusas. Aqui um líquido sol fosforescente e verde irrompe dos abismo e surge em suas portas. Mas já no mar exterior a luz rodeia a Balança. A linha das águas é lisa e limpa como um vidro. O azul recorta os promontórios aureolados de glória matinal. Tudo está vestido de solenidade e de nudez. Ali eu quereria chorar de gratidão com a cara encostada contra as pedras.
Esse momento redefiniu-me e é daí que vem a minha noção aguçadíssima do lirismo implícito da vida quotidiana. É daí que vem a minha convicção de que a poesia é como uma pedra polida e, por conseguinte, minimalista. Aprendi que cada palavra deve ser exacta, nem mais, nem menos. Aprendi que é bom ter o conhecimento do inferno, e a descrever com exactidão as imagens desse inferno. Aprendi que este conhecimento que dói pressupõe também a alegria do recomeço. Por isso preciso do mar, que se converte no elemento essencial onde é possível fazer a limpeza da alma, renascer, recomeçar. Aprendi também que pertenço à raça daqueles que mergulham de olhos abertos/ E reconhecem o abismo pedra a pedra anémona a anémona flor a flor* e que o mar de Creta por dentro é todo azul. Todo azul. Não é verde, nem azulado. Azul.
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keep it simple: less is more
Gosto do sul porque vivo no hemisfério norte. A minha identidade é mediterrânica. Se vivesse abaixo da linha do Equador, não sei como seriam os meus desejos de evasão. Sei que aqui, onde brotei, preciso de ir fazer a minha fotossíntese onde o sol é mais inclemente e o céu é despovoado. Preciso desse silêncio, que existe só dentro da minha cabeça. Sou coleccionadora de azuis perfeitos, por isso sofro com as nuvens. Gosto do verão minimalista.
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terça-feira, 20 de julho de 2010
A thing of beauty in the making
O grande efeito pernicioso do cativeiro prolongado é a habituação. Uma mansa e insidiosa infiltração do mal, que acaba por tender a confundir-se com a própria pele. O exercício da libertação tem muito que se lhe diga. Não se volta simplesmente a ser dono do próprio tempo. Antes, há ainda o pânico de ter, subitamente, e de novo, o poder da escolha sobre a inutilidade dos afazeres. O corpo ainda não está inteiramente desintoxicado. Mas faremos a cura em pequenos passos. Prescrições intensas de música, sol, mar, cinema, livros, amigos, amor. Aos poucos, aprende-se a desaprender tudo o que dói. E dói menos. Dói diferente. Os meus planos para dominar o mundo continuam em crescimento. O verão há-de ser o meu reino.
..~*~..
a minha vontade era começar todos os meus posts com esta fotografia da Marylin.
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11:41 | 2 Comentários ---------------------------------------------------------------------------------------------------------------
foi assim [versão corrigida e expandida]:
É verdade que já não tenho espírito de festival. Não gosto de campismo selvagem, não gosto assim tanto de pó e comida má, continuo a gostar cada vez menos de pessoas - e ainda menos de multidões. Mas gosto da música e gosto dos meus amigos e das nossas palhaçadas e gosto de partilhar com eles o imprevisto. Não consegui ver The Morning Benders porque estive duas horas numa fila de trânsito - o que poderia ter sido um drama, mas felizmente havia Dan Auerbach no leitor, gente parva dentro do carro, e máquina fotográfica à mão. Foi bom. O Mayer Hawthorne é o maior (branco-preto com mais groove de sempre), e o Prince é o maior (por algum motivo lhe chamam O Artista), e a Sharon Jones é a maior (mash-up de James Brown e Tina Turner, pega fogo ao espectáculo quando pede "give me some chicken music!"). Beach House foi bonito mas não consegui ver grande coisa porque estava sem lentes. Grizzly Bear foi uma seca monumental, bocejei mais do que abanei o pezinho. The Temper Trap foi aquilo que se esperava, bom e esquisito. Pet Shop Boys e Cut Copy não merecem comentários. Hot Chip, ora bem... dançou-se bué, de muitas e freakalhentas maneiras, foi do rock. The National, Spoon e Patrick Watson foram trocados - desculpem, não foi nada de pessoal, e prefiro continuar a imaginar que deram concertos franquinhos que jamais me arrependerei de ter perdido. Julian Casablancas, jamais te perdoarei - ia cheia de expectativas, e imagino que o concerto até não tenha sido mau, se eu tivesse conseguido ouvir alguma coisa de jeito (som de merda, dude). A grande cereja em cima de um grande bolo foi o concerto dos Vampire Weekend. Maior repertório, maior (e melhor) festa do que há dois anos, na Casa da Música. E no verão e ao ar livre, e com a(s) pessoa(s) certas comigo. Pá, foi bonito. E o Ezra Koenig é giro. E canta bem. Se eu não me tivesse deixado dessas coisas, era potencial groupie material.
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11:13 | 3 Comentários ---------------------------------------------------------------------------------------------------------------
the hard way
A vida custa. Crescer e essas coisas. A gente acaba por ter que se ocupar de coisas pouco eloquentes como por a roupa a lavar depois dos festivais de verão. Intriga-me - eu, uma blogger compulsiva e inveterada com 7 (SETE!) anos de little black spot ter, recentemente, tão pouco para dizer ao mundo. Tenho uma certa saudade do tempo em que a minha vida efectivamente dava um post, e me dava ao luxo de passar o tempo a construir o drama da minha vida segundo o design cautelosamente delineado de uma complexa rede de implicações líricas. Mas aí é que está. viver à custa da lógica sem lógica dos posts é respiração assistida, sobrevivência com os dias contados à partida. Quer dizer, não me entendam mal, continuo a ser uma blogger profissional de alto nível. Continua a ser bonita a construção lírica dos dramas quotidianos. Gosto do poder simbólico das imagens e das letras e gosto da ideia de que isto anda sempre tudo ligado. Mas há outras coisas, a vida dentro da vida. Vivo melhor desde que penso menos - o que significa que penso melhor. Deixei de ter tempo para dizer coisas ao mundo quando descobri que bom bom é fazer as coisas. Ufa, a adolescência já passou. Que alívio, foi só um sonho mau. Ainda sou uma personagem aqui dentro, mas já não uma little trouble girl. Sou apenas uma regular girl com um conhecimento preciso do inferno. Este ano, troquei The National pela Sharon Jones e os seus Dap Kings e soube-me bem. Ah e tal, a depressão é muito fixe e coiso, mas na hora da verdade o soul é que rula.
Sharon Jones & The Dap Kings | I learned the hard way