i'm hunting down demons tonight *
---------*----------se não houvesse Dostoievski, se não houvesse Kafka, se não houvesse Nietzsche, bem se poderia dizer que ninguém se lança sobre as profundezas do espírito humano como Camus. incontornáveis as linhas que respiram o pesado fardo de conhecer-se os homens:«Como se o meu verdadeiro desejo não fosse de ser a pessoa mais inteligente ou mais generosa do mundo, mas apenas de bater em quem eu quisesse, de ser o mais forte, enfim, e da maneira mais elementar. A verdade é que todo o homem inteligente, como o senhor bem sabe, sonha em ser um gangster e em imperar sobre a sociedade unicamente pela violência. (...)
Eu descobria dentro de mim gratos sonhos de opressão.»
Albert Camus | A Quedaeis, por exemplo, o retrato perfeito de um homem, reconhecível, tangível, como se tivesse um rosto:«Sempre achei a misoginia vulgar e estúpida, e quase todas as mulheres que conheci, julguei-as sempre melhores do que eu. No entanto, ao colocá-las tão alto utilizei-me delas mais vezes do que as servi. Como perceber isto?
Bem entendido, o verdadeiro amor é excepcional, dois ou três em cada século, mais ou menos. O resto do tempo, há a vaidade ou o tédio. (...)
Não tenho o coração seco, longe disso, mas, pelo contrário, cheio de ternura, e mais, estou sempre de lágrima ao canto do olho. Só que os meus impulsos sentimentais se dirigem sempre a mim e os meus enternecimentos a mim é que dizem respeito. É falso, no fim de contas, que eu nunca tenha amado.
Conto na minha vida um grande amor, de que fui sempre o objecto. Sob este aspecto, depois das inevitáveis dificuldades dos verdes anos, depressa me tinha fixado: a sensualidade, e só ela, imperava na minha vida amorosa. Buscava somente objectos de prazer e conquista. (...)
Sejamos indulgentes e falemos de enfermidade, de uma espécie de incapacidade congénita para ver no amor qualquer coisa mais que o acto. Esta enfermidade, no fim de contas, era confortável. Conjugada com a minha faculdade de esquecimento, favorecia a minha liberdade. Ao mesmo tempo, por um certo ar de distância e de independência irredutível que me dava, oferecia-me ocasião para novos êxitos. À força de não ser romântico, eu dava um sólido alimento romanesco. As nossas amiguinhas, com efeito, têm isto de comum com o Bonaparte, pensam sempre ter êxito naquilo em que toda a gente falhou. (...)
Quanto a discursos não estava eu mal, pois era advogado, nem quanto a olhares, pois tinha sido, na tropa, aprendiz de comediante. Mudava muitas vezes de papel, mas era sempre a mesma peça. Por exemplo, o número da atracção incompreensível, do "não sei quê", do "não há razões, eu não desejava ser atraído, estava, no entanto, cansado do amor, etc...", era sempre eficaz, posto que seja um dos mais velhos do repertório. (...)
Eu tinha aperfeiçoado, sobretudo, uma pequena tirada, sempre bem recebida, e que o senhor aplaudirá, tenho a certeza. O essencial desta tirada consistia na afirmação, dolorosa e resignada, de que eu não era nada, não valia a pena prenderem-se a mim, a minha vida estava alhures, passava ao lado da felicidade de todos os dias, felicidade que eu talvez preferisse a tudo o resto, mas, enfim, era tarde demais. Sobre as razões deste atraso decisivo, eu guardava segredo, pois sabia que era melhor dormir com o mistério. Em certo sentido, aliás, acreditava no que dizia, vivia o meu papel. Não admira, pois, que também as minhas parceiras se entusiasmassem também com o delas. As mais sensíveis das minhas amiguinhas esforçavam-se por me compreender, e este esforço levava-as a melancólicos abandonos. (...)
Acredite-me, para certos seres, pelo menos, não possuir o que não se deseja é a coisa mais difícil do mundo.»
Albert Camus | A Quedait's not you, it's me.
you're damn right it's you.Etiquetas: Albert Camus, drogas duras, os livros