love is the only weapon with which I got to fight
ou como quem diz, uma quase novidade fresquíssima, um soco não esperado nos queixos, que faz partir dentes e cuspir sangue, uma mão insidiosa a desapertar subrepticiamente todos os ligamentos do sossego, ou como quem diz, umas breves notas ainda sobre o medo, o amor, um dom de tristeza absolutamente contemporâneo e urbano, isto de estar vivo habitando um corpo, sendo um outro. ou poderia também dizer ainda como o Jorge de Sena: "Nada nos salva desta porra triste."
A verdade, por muito que nos custe,
é que nunca houve ninguém
por detrás da janela
do ponto mais alto da montanha.
Se é que podemos falar
de montanha, da janela onde
por vezes chegavam
os sinos indolentes do amor,
na sua claríssima estranheza.
E as coisas que nos matam
incendeiam-se,
cansadas de esperar por outro dia.
*
A fome, o desamor, o desabrigo,
nenhum mal é comparável à miséria
dum emprego, com as horas escoltadas
por minutos, os minutos como lápis
afiados, rasurando dia a dia
o animoso galarim das faculdades.
A questão, uma vez mais, é recusar;
desde logo, a protecção dos que traficam
com a liberdade alheia, o conforto
de servir os mediáticos negreiros,
cuja sorte se cimenta no apelo
que dirigem ao pior de cada um.
Pois aquilo a que chamais liberdade
(a coleira do consumo para muitos,
para poucos a gestão do entreposto)
não é mais do que extorsão e propaganda,
centenária manobra de fidalgos
educados no prazer da injustiça.
*
A poesia, que foi, é quase nada,
se não cura, não faz pão, não tira nódoas
do tecido social. Em vez de versos,
ponho ao sol um vaso de ervas aromáticas,
fomento a couve-roxa, conto as flores
do manacá e atormento-me em janelas
virtuais, avaliando os elementos
da ruína, seus engodos e motivos.
Atormento-me de novo, com os roubos
do momento, disparato, não respiro,
assobio uma canção desencontrada,
popular, o coração impaciente.
E cedo volto, sem prazer, ao passatempo
destes jogos cranianos - escusados,
se não creio que a justiça leia versos
nem me abrigo na memória de vindouros.
posted by saturnine | 18:20 |
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5 Comentários:
"nada nos alva desta porra triste", nem os livros
os livros, às vezes. ou parece que sim. mas na verdade, nada. a Marguerite Duras já dizia isso, que as palavras não salvam de coisa nenhuma (embora pareça que sim).
iludem, levam-nos temporariamente para outros mundos, mas não salvam, não. ainda assim são vitais. ao ler habitamos outro reino como escreve Quignard, que no diz ainda que não conseguia tocar em certos livros sem sentir subir uma sensação de dor.
"isto de estar vivo habitando um corpo, sendo um outro."
"Nada nos salva desta porra triste."
muito bom. muito triste.
(vou guardar esse livro nos meus planos.)
não sei se poderia haver
esta porra triste sem
palavras.. elas às vezes são
os indicadores que
faltam, nos mapas onde
de tão imersos nada
vemos.
(e há sempre às vezes a palavra
foda-se.)
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