a forma como me deixa abismada a natureza de certas palavras faz-me perder, por vezes, a capacidade de raciocínio. a evidência inequívoca da verdade que carregam é como um soco no estômago. procuro virar o rosto a esta frase e ela não mo permite: força-me a olhá-la nos olhos e engolir em seco. porque de facto o reconhecimento do amor traz consigo uma promessa de eternidade. mas não é ainda isso que por si só pacifica ou constrange, é antes a ideia de que lhe é subjacente: a de que nenhum amor poderá então morrer. e se não pode morrer, alturas haverá em que se arrastará morto-vivo pelas concavidades doridas dessa mesma eternidade desastrada. mas isto, isto, pouco importa. importa é que tens um rosto que eu conheço de cor, que amo o que nele houve de comum com o sonho, e que onde quer que estejamos, qualquer que seja a fibra do silêncio que nos divida, tu não morrerás jamais.
Eis que morreste. Mortalmente triste
Divaga a flor da aurora entre os teus dedos
E o teu rosto ficou entre as estátuas
Velado até que o novo dia nasça.
Se nenhum amor pode ser perdido
Tu renascerás – mas quando?
Pode ser que primeiro o tempo gaste
A frágil substância do meu sono.
Sophia de Mello Breyner Andresen | Eis que morreste
Etiquetas: morto amado nunca mais pára de morrer, retalhos e recortes, Sophia de Mello Breyner Andresen
posted by saturnine | 22:30 |
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