declaração de fim de ano
a) eu já passo o ano todo em balanços - em desequilíbrio constante, cai-não-cai, oscila para aqui, tomba para ali, sempre em busca de um equilíbrio precário, qual Humpty Dumpty em cima do muro;
b) não percebo honestamente como é que alguém se consegue lembrar das coisas todas de um ano inteiro para depois dizer categoricamente ora então estas foram assim as melhores e as piores, por ordem directa descendente. (já para não dizer que me recuso terminantemente a comentar essa coisa de que ouço falar, diz que há gente que tem tudo organizado em listas de Excel, a vida toda arrumada em gavetas perfeitamente organizadas e localizáveis.)
ainda assim, vou agora mesmo demorar-me num balanço de fim de ano. é que o olhar para trás é inevitável. um ano é um ciclo, e como sempre, cada ciclo é como um círculo, que se quer fechado. olha-se para trás em busca das pontas soltas. onde estive e o que fiz para chegar até aqui? (mais) 12 meses pesam em cima do corpo. não pretendendo deter-me em longas enunciações/enumerações, este foi por excelência o ano da Ana Teresa Pereira e da Iris Murdoch (o que acrescenta mais uma à minha lista de vocações inúteis, que não garantem sustento).
de resto, vejamos: o ano passado, foi um encolhimento só. houve Odawas, houve The National, houve Richard Haley, tudo o que era frio e nocturno tomou conta de tudo o resto. passei um ano nos subterrâneos. o que 2008 me trouxe de bom foi a trégua do verão: Vampire Weekend e Fleet Foxes, duas pérolas maravilhosas que efectivamente salvaram a minha vida ao puxar-me para o sol. não é assim com tanta frequência que qualquer coisa me soa francamente nova e surpreendente e apaixonante. et voilà!, de uma vez só o inesperado em duplicado.
é claro que não posso esquecer que 2008 foi também o ano de Scout Niblett [This Fool Can Die], que quase poderia desmanchar o meu sossego e atirar-me de volta para junto daquele canto escuro que tudo sabe e me olha sempre, permanentemente vigilante, não fosse eu saber já que há canções que matam mas também há canções salva-vidas, e por vezes a mesma de que morremos nos traz depois a cura. não fosse eu saber que onde há muito amor há também muito medo, mas não deixa de haver muito amor, e que neste diálogo entre a Scout Niblett e o Bonnie "Prince" Billy
Then so it be
This fool can die now
With a heart that's soaked
(...)
My heart is charged now
Oh, it's dancing in my chest
And I fly when I walk now
From the spell in that kiss
Kiss
há sobretudo o sobressalto da alegria inesperada. uma canção é um veneno tanto quanto é um amuleto. à chegada do outono, um disco que era noite cerrada, fez-se subitamente claro, com a primeira luz da manhã. um corpo olhando outro corpo, recitando mentalmente cada passo necessário para desenhar uma boca no rosto do outro, secretamente dizendo
Broken with the break of day
Kiss
Etiquetas: Ana Teresa Pereira, aquele canto escuro que tudo sabe, celebrações, compêndio de vocações inúteis, grandes amores, this magic moment
posted by saturnine | 23:27 |
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