The ballad of broken men (and I am also a broken man¹)
o melhor de uma ideia é quando é suficientemente táctil para imprimir-se de imediato na memória segundo a clareza das imagens. algo se me afigurou absolutamente claro e evidente nesse momento: a metáfora do corpo enquanto acordeão. todo ele maleável, respiratório, coberto de botões à espera de ser apertados, para que através da música se afirme a sua razão de ser.
uma ideia persistente é também uma ideia resistente, que nunca cessa de (re)construir-se em pano de fundo. uma ideia fértil é uma ideia sem fim à vista. à semelhança da comida que fica a trabalhar no estômago (de certeza explorada e mal paga), a mim ficam-me as ideias a trabalhar na cabeça, gerando imagens sucessivas.
a tal ponto que eu, que como a Ramona A. Stone² sou uma artista e que, como tal, persigo métodos de investigação puramente intuitivos, líricos, caóticos, e que, por conseguinte, não percebo nada de métodos científicos (triste sorte!), me sinto quase capaz de anotar evidências e enumerar a Primeira Lei da Metáfora do Corpo Enquanto Acordeão:
primeira evidência: o pedal da embraiagem, quando pressionado com o pé, apenas desembraia o motor, permitindo mover a alavanca da caixa de velocidades; é apenas quando é libertado da pressão do pé que se processa a embraiagem do motor, passando a efeito a acção de mudança de velocidade;
segunda evidência: perante um ferimento de bala, ou semelhante, frequentemente o corpo humano alberga essoutro corpo estranho como garantia de sobrevivência, mantendo a vida sustentável num precário equilíbrio; é no momento da extracção do corpo estranho que se desencadeia a hemorragia que poderá ser fatal ao corpo humano que o alberga.
terceira evidência: no caso de alguns botões - como os que servem a função de ligar e desligar electrodomésticos diversos, como os rádios e televisores -, a pressão por si só não opera qualquer efeito no aparelho; a acção pretendida de ligar/desligar o aparelho só produz efeito no momento em que o respectivo botão é largado.
Primeira Lei da Metáfora do Corpo Enquanto Acordeão: a infelicidade, a dois, é uma forma deficiente e imperfeita da felicidade. o que dói não é o que tu me fazes - enquanto fazes, afirmas-te presente; é quando te vais embora, quando removes o dedo do botão que sustenta o caudal hemorrágico da minha ferida, que passa a doer o que tu me fizeste - afirmação pretérita da tua ausência.
© Tim Burton
¹ Segue: Algeria Touchshriek | David Bowie, Outside
² Segue: Ramona A. Stone | David Bowie, Outside
Etiquetas: drogas duras, exercícios de anatomia, teses tratados e outras elocubrações científicas, Tim Burton
posted by saturnine | 00:18 |
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14 Comentários:
eh pá, s., ia começar pelo layout, mas depois ler a tua instalação científica sobre o botanar corpóreo penso duas vezes. (estou a pensar..) bom, como nada acrescento ao dito, desacrescento (o que é muito, note-se), e começo e findo pelo layout: bom regresso. (ainda melhor que a partida)
lol, o verdadeiro pensamento circular.
"instalação científica" é um bom nome para isto! mas eu percebo tão pouco das ciências que até falo em "enumerar" quando só existe um único número, que por natureza nãoprecisa ser distinguido dos demais... oh well. :)
é justamente com esse rigor científico que se deve perspectivar uma noite de copos.
hey hey, ainda não li o post e não vou poder tão cedo como deves imaginar, mas AH! já estou no meu computador por sinal!!!!!!
como dizia, venho só para deixar um sorriso pelo novo look - está quase como quando o descobri e é estranho, mas muito bom. o teu blog é o dos pouquíssimos que consegue ser preto-bonito.
ah e claro (!!), esse título! onde é que eu já vi isso? hummm :P
e se o meu, assim muito de repente, virasse preto, como que em homenagem a...Black Is The New Blood? :P
preto-bonito é bonito. :') obrigada (reparaste na subtileza dos dois tons de preto? ok, ok, isto em RGB não funciona bem assim, mas este template é quase uma experiência rauschenbergiana - depois explico ao vivo - cof cof cof). estive quase quase para pôr aquele com que o conheceste mesmo, mas depois tive que lhe mexer. evolution.
acho muito bem que te vistas de preto também, em homenagem a mim. (ahahaha) mas atina, pá! é "Blood is new black"! órraite? órraite. :D
dois tons de preto? lol isso não existe, há preto e há cinzento.
ok, quero ouvir essa explicação. pode ser que te entales com o sushi.
homenagem a ti? hihi, oh yeah. the woman who changed my life. ohohoh
a "emenda" é um incentivo ao vermelho-sangue? :P
órraite dén.
pfff, designers de nova geração. acham que as cores vêm todas em pantones. :P experimenta ir comprar camisolas pretas de marcas diferentes, tecidos diferentes, em lojas diferentes... abrir-se-te-ão as portas para o universo rauschenbergiano. :D
instalação científica sobre o botanar corpóreo...
eis como pode ser definida a poesia.
Está aterradoramente bela esta página. (corpo e alma)
olha lá, tu percebes de ciências sim! estava a ler e já agora: em relação à segunda das "evidências" há aquela coisa de um corpo estranho, ainda que albergado, poder tanto manter a vida sustentável como provocar complicações infecciosas. Não será tanto o caso das balas.
Também se pode vir a cagar os objectos que estavam albergados (objecto --> dejecto), que nem sempre é coisa simples, mas muitas vezes natural.
E ainda: lembrei-me agora também da pessoa que tinha um bocado de lápis no cérebro e que só muito tempo depois é que veio a ser descoberto e retirado, tinha umas dores de cabeça e começou a achar estranho. :)
oh, amigo, tão querido. :') pois percebo, estava só a fazer género. adiante, só mesmo tu para vires falar em cagar num post todo dramático-poético. B)
Tavas no teca teca! Gosto! B)
Perdoa a escatologia. Mas, enfim, para o bem e para o mal, faz parte da vida. :)
Não achei "dramático-poético", achei dramático e poético, que é diferente. ;)
O TECA-TECA! LOL já não me lembrava disso. B') eu gosto de uma certa dose de escatologia, sabes? e comoves-me com essas palavras. :')
fuck. belo texto.
este teu tratado ajuda-me a cimentar a minha ideia de que talvez o instrumento mais sexy de um homem tocar seja o acordeão. (eu diria a concertina, é mais bonita) agora com essa imagem, não consigo resistir a afirmar a minha certeza.
o instrumento da mulher é tão óbvio e certo e inquestionável que nem vale a pena mencionar.
mas caso tenhas dúvidas, é o violoncelo.
que engraçado teres essa ideia. :) nunca tinha pensado no assunto, mas sei que pensei sempre que se pudesse ter aprendido a tocar algum instrumento seria o violoncelo o escolhido.
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