As to what I meant to you
But you made an impression
Sometimes I still feel the bruise
os perigos da literalidade perseguem sempre o amor profundo às palavras. toda eu me substituo por palavras, à falta de matéria melhor que me construa. a nudez da existência é um susto, um punho cerrado ameaçador. um dia descobre-se que as palavras não chegam, que não se pode viver exclusivamente através delas a vida que inventam. mas enquanto não chega esse dia, sobrevive-se escrevendo, obcecando. isto é como dizer que é muito mais o que digo do que o que efectivamente sou. intimido porque falo demais. mas é pouco o que transporto. desmultiplico-me, ínfima, insuficiente, inexacta. como uma casa cheia de espelhos. morto amado nunca mais pára de morrer*
* Mia Couto
«Se for consultar o psicanalista, confio em Deus que ele permita que se sente também ao nosso lado um dermatologista, pois sinto que tenho cicatrizes nas mãos por tocar em certas pessoas. Uma vez, no parque, quando Franny ainda andava no carrinho, pus-lhe a mão debaixo da cabeça e deixei-lha lá ficar muito tempo. Outra vez, na Rua Setenta e Dois, fiz a mesma coisa, no Lowe, com o Zooey, durante a passagem de um filme sonoro. Ele devia ter cinco ou seis anos e metera-se debaixo da cadeira para não ver uma cena que muito o afligia. Pus-lhe a mão em cima da cabeça. Certas cabeças, certas cores, certos contactos com a pele humana deixam-me cicatrizes para sempre. Outras coisas também. Charlotte, uma vez. Fugiu-me do estúdio e eu agarrei-lhe no vestido para a deter, para a conservar perto de mim. Era um vestido de algodão amarelo, de que eu gostava por ser demasiado comprido para ela. Ainda conservo uma marca amarelo-limão na palma da minha mão direita.»
J.D Salinger | Carpinteiros, Levantem alto o Pau de Fileira
Etiquetas: afirmações identitárias, escrever, fruta esquisita menina aflita, morto amado nunca mais pára de morrer, os livros
posted by saturnine | 23:20 |
---------------------------------------------------------------------------------------------------------------
7 Comentários:
Tens razão, as palavras não chegam. mas poderá algo que brota de dentro de ti, não fazer parte de ti? duvido.
Em todo o caso, não posso deixar de dizer que fico sempre-quase-sempre desarmado quando te leio.
as restantes vezes, apenas me comoves ;)
*
:) (...) *
estes dias uma pessoa muito especial e improvável disse-me que lia o meu blog como uma espécie de masoquismo, sabendo que lhe apertava os botões errados por ser os que doíam. e que ainda assim precisava desse aflorar do seu lado depressivo. de tão bem entender as minhas palavras assustava-se.
é precisamente isto que sinto quando cá venho. não existe ninguém que eu leia com tamanha segurança quanto à garantia de deslumbramento, mas sempre associado a um certo aperto por nas tuas palavras me rever tanto e tão certeiramente. ainda que sejamos diferentes.
és mesmo especial. obrigada pelo Salinger. (...)
abraço apertado (para concretizar um dia ;) )
É! há poucas pessoas que me deixem assim, tão sem palavras... :)
limão, só te posso dizer: ditto. :)*
N... assim fico eu sem palavras. ;)
andava aqui às voltas tentando lembrar-me onde lera algo a propósito do tempo (minutos/dias) e acabei por dar com um sublinhado num livro de Musil (o jovem Torless); lembrei-me de ti e venho deixar-te.
"Era a falha das palavras que o torturava, a vaga consciência de que as palavras eram apenas subterfúgios transitórios para as coisas realmente experimentadas"
N., é um bonito excerto. obrigada pela lembrança. :) tenho que ver se pego no Musil um dia destes.
Enviar um comentário
Subscrever Enviar feedback [Atom]
<< Página inicial