Primary studies for an exercise in fear
Scott Walker | Drift
odiei de morte o disco do Scott Walker da primeira vez que o ouvi. levei a mal à pessoa que mo deu a ouvir porque isso não é coisa que se faça a ninguém assim sem mais nem menos, sem cerimónias - "mas tu queres torturar-me?!". ninguém devia pôr alguém a ouvir um disco assim, sem rede, absolutamente despreparada. aquilo doeu-me, caraças. como uma grande mão crispada a vasculhar-me as entranhas. foi horrível. insuportável. quis que aquilo parasse, que acabasse o mais depressa possível. não duvido que seja um disco que ponha uma pessoa doente, se assim ouvido com descuido e sem parcimónia. ausentei-me, reneguei-o.
até que um dia lhe peguei e o ouvi sozinha, de livre vontade, num momento cuidadosamente escolhido. dei-lhe a minha total atenção, noite adentro, com as luzes todas apagadas, como tem que ser sempre que um disco me exige que o compreenda. e criaram-se-me imagens da cabeça. como se habitasse um caleidoscópio demoníaco gigantesco. vi o "Pelikanol" dos Einstürzende Neubauten, vi as personagens dos filmes de David Lynch, os filmes inteiros, as bandas sonoras, e vi as minhas próprias imagens antiquíssimas, de um imaginário de terror construído de fragmentos dessoutras imagens que se me instalaram na memória ao longo dos tempos. o que via claramente era o meu constrangimento: atravessando uma floresta completamente às escuras, descalça. e era belo e assombroso e assustador todo o caminho. eu não sabia como iria sair dali, nem sequer se haveria saída. mas é claro que há saída. vem o dia, voltam as luzes, e somos salvos do Scott Walker.
"Drift" é um disco está já muito para além a ideia de música como potencial entertenimento e/ou objecto de prazer. ouço-o poquíssimas vezes porque sou tenrinha e ainda me acontece envolver-me tanto que me desmorono ("I keep a close watch on this heart of mine", portanto*). mas é um monumento, caraças. imprescindível. a consumir com extremo cuidado. aterrador, mas sublime.
quando hoje penso nisso, ainda detesto aquele disco. adoro-o e detesto-o.
* John Cale
Etiquetas: drogas duras, música para o dia de hoje, you're the night Lilah
posted by saturnine | 23:02 |
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3 Comentários:
Bem... sou um fã de Scott Walker e fiquei impressionado com o último álbum.
impressionado negativamente ou positivamente?
Positivamente! Eu sempre gostei muito dos Walker Brothers e de os álbuns do Scott Walker a solo (desde os Scott 1, 2, 3 e 4, até o Tilt e o da banda sonora do Pola X), passados estes anos todos, e depois de ele ter produzido o último álbum dos Pulp - que não foi muito bem recebido -, não esperava que ele viesse com algo novo ou muito bom. Com este novo álbum vi que estava errado, daí a minha surpresa. É apenas uma opinião, é claro, mas acho o "The Drift" fantástico.
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