O
little black spot nunca foi - nem de raspão - um blog político. A minha juventude permitiu-me, durante muito tempo, habitar a minha concha, voltada exclusivamente para as pequenas coisas - os livros, a música, os grandes e terríveis amores, as estações, a poesia da vida quotidiana, um ou outro apontamento de beleza ou de horror. Permitiu-me, durante um tempo mais do que razoável, manter-me a salvo da chatice da dura realidade dos telejornais - resguardei-me tanto quanto pude do terror da
actualidade. Sempre me preocupou mais o existencialismo, a condição humana em geral, do que a existência em si mesma, a vida das pessoas em particular. Digamos que me dei ao luxo de, anos a fio, praticar uma espécie de abstinência opinativa, que por estes dias tenho que interromper, porque me vejo a ter pesadelos durante a noite e a acordar para uma realidade que, infelizmente, não foi apenas parte de um sonho mau. Tenho que sair da minha concha porque já não consigo entrincheirar-me dentro dela contra a estupidez - já não está trancada do lado de fora, invade tudo, tudo, faz-me perder a concentração para aquilo que realmente importa - as coisas sem importância.
Há aqui um
belo resumo dos perigos do status quo. O que aí vem - e não é pela mão da
troika - é o pão que o diabo amassou, e eu quase seria capaz de dizer
"bem feita, depois não digam que não foram avisados", não fossemos todos ter que comê-lo, justa e injustamente. Pelos visto, há um certo tipo de saudosismo muito português que, finalmente, venceu. Para mal de todos nós.
Etiquetas: declarações de emergência, livro de reclamações
12 Comentários:
ahhh.. doce clausura :)
bem-vindo a bordo *
esta coisa da concha ainda por cima lembra-me sempre uma frase que adoro, do Hamlet:
«I could be bounded in a nutshell, and count myself a king of infinite space, were it not that I have bad dreams.»
:)
a mim, que não sou tão dado a livros e a frases bonitas (nem me comparo, é outro campeonato), ocorre-me o mais prosaico "felizes são os ignorantes".
[não acho que o sejam, mas seguramente, menos angustiados]
e acredita que, à medida que o tempo passa, tenho dado por mim a achar (decidir) que há coisas que... não quero saber. assim, ponto.
chama-lhe, se quiseres, "gestão de liberdade corrente". ou, à minha maneira, uma certa busca pela felicidade dos ignorantes :)
ps - nota que, estas minhas ideias soltas em nada beliscam a pertinência do teu postal, que compreendo e subscrevo.
keep going. in & out of the shell *
"gestão de liberdade corrente" - é um conceito interessante. :)
a verdade é que continuo a preferir o interior da minha concha. continuo a preferir os meus livros ao destino da humanidade. :D
oh como te entendo... :-)
mas vai saindo dela de vez em vez. caso contrário, é um desperdício *
pois, é o que vou fazendo. digamos que gosto de estar dentro da concha, mas com um pezinho na areia, e a ouvir o som do mar. :)
Bem-vinda a esta luta que promete ser mais dura a cada dia que passa. Todos nunca seremos muitos.
Pois não. Sabes o que às vezes faço para que a coisa me pareça mais suportável? Imagino que estou dentro dum daqueles filmes em que há um casal apaixonado que faz das tripas coração, durante uma guerra, para conseguir, se não sobreviver, pelo menos estar juntos.
mas isso assim não é... desgastante? :-/
não, pelo contrário. desgastante é viver apenas na triste realidade de sermos apenas mais uns miseráveis, iguais a todos os outros, destinados a ir ficando mais pobres, para que os ricos fiquem mais ricos...
bem, eu já estava "a ver filmes", completamente fora do contexto político do postal :-)
mas não, acho que não, prefiro a triste realidade à ideia de viver "noutro mundo"; se o quiser muito não me posso alhear, tenho é de ir à procura dele, do mundo, noutro sítio que não este.
ainda que revoltado, ainda que a viver nele a barafustar, tento fazer a minha parte o melhor que sei, por ele e por mim (não sei se o contrário é demasiado narcísico).
se nos mantivermos no plano do imaginável, então é que nada poderemos fazer. a morte, não é uma ilusão poética. e para me iludir, já me bastam as minhas "certezas" :-)
*
faz tudo parte do estar dentro da concha. a estar, prefiro estar confortável, mas não quer dizer que não esteja com um olho no que se passa do lado de fora. :)
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