No country for old men
quando acabei de ler A Estrada, de Cormac McCarthy, lembro-me de ter pensado duas coisas: primeiro, que não sabia se conseguiria voltar a pegar noutro livro tão cedo; segundo, que era perfeito se lhe pegassem para fazer bom cinema. na altura, não fazia ideia de que não só a máquina já estava em andamento, mas que também No Country for Old Men já estava a caminho. é um gajo estranho, este McCarthy. nada me faria pressupôr, se tivesse visto o filme sem conhecer o autor e o livro, que algo me moveria para que o lesse. não percebo. não há frases geniais. não há tiradas memoráveis que eu retire para o caderno de notas. não há parágrafos avassaladores que me esmagam com o espanto da evidência da natureza humana eloquentemente apresentada. há só uma ruminação lenta, quase imperceptível, dura, cáustica, que mói e mói e mói por baixo da pele até que de um momento para o outro, sem que nos tenhamos apercebido, nos vejamos perante um buraco cavado no corpo. é isso que este gajo faz. sem grandes merdas, as pessoas mais ou menos como elas são. as interrogações, as deambulações do espírito, a constatação óbvia de que se vive e que se morre e de que não há explicação para o bem e não há explicação para o mal. um homem como outro qualquer, à hora errada no lugar errado; um bom e velho xerife existencialista; um vilão com requintes maquiavélicos a roçar a perfeição. McCarthy entrega-se mais demoradamente à descrição da terra, às angústias, aos detalhes inúteis da narrativa. instala em nós, grão a grão, o vazio. os Coen naturalmente tiveram que condensar. o que se perdeu não fez perder de vista o que importava assinalar: a terra bruta e o que faz a quem nela habita; a figura de Anton Chigurh, sem passado, sem explicação, sem futuro. tónica na densidade: e aqui se encontra a ponte que mantém unidas estas duas faces da moeda (trocadilho-referência genial, caso não tenham reparado), duas obras extraordinárias. call it! (fuck)
Etiquetas: desolação magnífica, filmes, os livros
posted by saturnine | 23:39 |
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3 Comentários:
tenho «a estrada» numa pilha de livros a ler. quanto ao filme, não posso concordar mais contigo
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vou ver se ganho coragem para ir ver hoje.
e o Xavier (sigh) é um génio da arte de representação...
vi o filme, li "A Estrada".. estou rendida a Cormac McCarthy
(aguardo ansiosa o filme para "A Estrada")
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