Dance me til the end of love
eu, que acredito que na dança reside a salvação do corpo. à entrada, despimo-nos dos nomes. o meu nome nada diz de quem sou, ali, naquele momento: a minha identidade é o meu corpo. somos estranhos e somos cúmplices. passamos a ser só braços, pontas de pés, por vezes rosto. é verdade que a início não se sabe o que fazer a mãos e pés. olhar de espanto: para que serve o meu corpo? assim, a iniciação é como um crescimento: aprender a ter um corpo, adquirir consciência do corpo, aprender a usar um corpo. a música comanda. subtilmente, encaminha cada coisa para o seu lugar. é verdade que contemplei muito mais do que rodopiei - mas rodopiar é bom, e será certamente uma das chaves da felicidade. é verdade que não se sabe do mundo enquanto se rodopia. é verdade que não se sabe quem roda, quem pára, quem cai. é verdade que há na dança - nesta forma de dançar - uma entrega silenciosa a uma intimidade comovente que não se percebe senão na visão dos corpos encostados, de olhos fechados, a desenhar um movimento conjunto, leve, perfeito.
aquilo de que eu gostei foi da promiscuidade: no círculo, entregar o corpo ao sabor da música, andar de mão em mão, de homem para homem, até que o rodopio se traduza no riso. e a mim fizeram-me rodar quase até não conseguir ter os pés do chão, obrigaram-me a perder a teimosia de ir para onde quero - o corpo também serve para ser conduzido, tocado como um instrumento, e eu tenho que abandonar o meu corpo àquele que sabe para onde ele deve ir.
ouvir "olha-me nos olhos. olha-me nos olhos senão cais" e saber: "se esta mão, se este braço falha eu caio mesmo, caio desamparada, caio para sempre, mas a mão não falha, este braço não larga, não cairei jamais". e rodopiar então como se não houvesse amanhã, para além da respiração e da transpiração. perdidos no sussurro da concertina. diz-se tanto, falando tão pouco.
Etiquetas: us people are just poems
posted by saturnine | 19:49 |
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7 Comentários:
cair nos braços, aquela coisa do trust: atirarmo-nos para trás e confiar que alguém nos segura nos braços. confiar, mesmo naquele minuto em que quase parece que nos despenhamos. e despenhamos. :)
Ando cada vez mais curiosa...
é isso, a.
menina-alice, tu que ouves o Piazzolla... nunca reparaste num pézinho a mexer, ou num subtil meneio de ombro a querer despertar? olha que vale a pena averiguar sobre essa curiosidade. :)
olha-me nos olhos senão cais? quem foi o malandro? :P
foi um senhor alto e bem-disposto, de camisa clara. mais não sei (ou não me lembro). :D
Mas isso cabe tudo no meu jeito abanar cool. :) Coordenar braços e pernas, ainda por cima em número de 8...
aprender a ter um corpo, adquirir consciência do corpo, aprender a usar um corpo
:/
tu que falas da consciência do corpo que falha, como se usa um corpo que sempre (nos) falhou?
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