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Egon Schiele | Autumn Trees
sou indiscutivelmente um ser do outono. nasci em redor do equinócio, foi a primeira estação que conheci. e em nenhuma outra altura o mundo me faz tanto sentido. porque eu sei que sou das raízes e da terra, e tudo em mim se prepara para habitar as profundezas. gosto deste recolhimento, das promessas implícitas nesta simulação de morte. gosto da nudez das árvores. dos passos constrangidos pelo vento. gosto do que no outono há de cinzas e renovação. gosto da densidade das palavras, que têm que ser mais medidas, para se ajustarem à estreiteza dos dias. gosto do que é triste, no outono.
* * *
nunca pensei ouvir-me (ou ler-me) dizer isto, mas eu encontro muito encanto nos dias todos. alguma estranha metamorfose se operou em mim do ano anterior para este, não me reconheço. gostei do primeiro dia de chuva do ano, pós verão. tinha saudades. diz-me muito, a melancolia das ruas molhadas. e do vento, gosto do vento. não sei se porque vivi o primeiro inverno na serra, e lá em cima, o vento é uma coisa inexplicavelmente muito próxima do voo. atravessei o inverno a ler Dostoievski, pelo que é justo dizer que o frio me entrou fundo nos ossos e nas fibras imateriais. eu tenho saudades dos guarda-chuvas (que não uso, porque são um incómodo), dos cachecóis, do meu casaco cinzento de fazenda. e de calcar folhas secas e fotografar as árvores despidas e de chegar a casa com cheiro a castanhas assadas nos bolsos.
eu gosto de tudo. há muito mundo e eu gosto dele todo. pena é que não aguente muitas doses dele de uma vez só. e o problema é só esse. há demasiado frio e demasiado inverno. entristeço e anoiteço porque de facto os dias me roubam imensa luz e demoram imenso a devolvê-la. as estações do friam duram sempre demais. é um exílio que eu não aguento. a dado momento, necessito urgentemente de luz, e torno-me ser de verão. mas estou presa no inverno. como não haveria de acreditar que o mundo está todo fora da ordem? happy being sad.
* * *
foi com as árvores que aprendi a serena imobilidade das coisas perante o abandono e a morte. foi com as raízes que aprendi o gosto das mãos no interior da terra. foi com a certeza do húmus cheio de vida que aprendi a habitar as profundezas. os lugares chamam, e eu vou. tenho uma sede feita de estrada.
Etiquetas: afirmações identitárias, fruto saturnino (conhecimento do inferno), pintura
posted by saturnine | 12:57 |
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