ou inaugurada a estação do sol
«O passado é como um orgão excedente do corpo, e eu lembro. No limiar do que me lembro, o cheiro das laranjeiras abraçadas, o sabor dos damascos trincados no escuro, o terrível assalto dos insectos de estação, conduzidos por um desejo cego de sangue e carne. No limiar do que lembro, a fragrância dos jacarandás que lia nos livros, e que não vi até muito depois da partida. Agora compreendo. Aqui, no conforto de uma casa suburbana, sinto falta do centro essencial do mundo.»
© arquivo fantasma
* * *
«Desejo a manhã
Uma praia pequena. Não o seu areal que esse é extenso dentro de nós. A luz da tarde é irreal, mediterrânica. Preferiria a luz da manhã, durante a qual os corpos são insondáveis. Implacáveis, mas mudos uns com os outros.»
© respirar o mesmo ar
* * *
«île
je suis celle qui désire
la plage toute entière
pour marcher le long
de tes traces sous le
soleil exactement pas
à coté pas n'importe
où que tu sois.»
© a espuma dos dias
* * *
«Vísceras
O medo é a última, indelével companhia do corpo. Medo da humidade negra dos bosques durante a noite, do peso excessivo e da respiração dos quadrúpedes, do silêncio estanque dos insectos que rastejam.»
© epicentro
* * *
«Gostaria que houvesse palavras
que tombassem como certas flores
entre o azul e o lilás fazem
num velho caramanchão.»
© tempo dual
* * *
«Acordar, ser na manhã de Abril
a brancura desta cerejeira;
arder das folhas à raiz,
dar versos ou florir desta maneira.
Abrir os braços, acolher nos ramos
o vento, a luz, ou o quer que seja;
sentir o tempo, fibra a fibra,
a tecer o coração de uma cereja.»
Eugénio de Andrade, As mãos e os frutos (1948)
in dias com árvores
* * *
© Katsushika Hokusai
Etiquetas: retalhos e recortes, sol nascente, you must believe in spring
posted by saturnine | 13:51 |
---------------------------------------------------------------------------------------------------------------
0 Comentários:
Enviar um comentário
Subscrever Enviar feedback [Atom]
<< Página inicial