«Até aqui tratava-se de saber se a vida devia ter um sentido para ser vivida. A partir daqui, pelo contrário, impõe-se-nos que ela será vivida até melhor por não ter sentido. Viver uma experiência, um destino, é aceitar plenamente.»
Albert Camus | O Mito de Sísifo
é a ausência de sentido que sustenta a plena aceitação do absurdo da vida. com a ausência de sentido, habituamo-nos a não perder tempo com o que não seja absolutamente essencial. devotamo-nos às grandes questões e aos grandes impossíveis, e tornamo-nos indiferentes aos pequenos problemas do mundo. é desta forma que aprendemos a que não nos aflijam os pequenos dramas e a olhar nos olhos os velhos demónios do medo. pela ausência de sentido, suportamos tudo, porque sem sentido a vida é plena e sem limites. já não se trata sequer de pensar a liberdade, mas da absoluta irrelevância da própria noção de ser livre. depois de negarmos o sentido à vida, estamos preparados para tudo, para qualquer coisa que venha; e se carregamos uma pedra encosta acima e nos revoltamos contra tudo o que pesa e o que dói é porque é esse o nosso ofício, porque tomamos a vida nas próprias mãos e não aceitamos que consolação alguma nos alivie do seu peso, que nos pertence. depois de tudo isto é muito fácil esquecer aqueles que partiram, as feridas que deixaram abertas, e negar a ternura àqueles que chegam de novo, quando é pressentida a promessa de novo golpe. apesar de tudo são longas as noites, e há horas difíceis e coisas inexplicáveis, e coisas para as quais nunca teremos remédio e que custam e que custarão sempre e que não melhoram com o hábito, e por isso aprendemos a contorná-las, e a vida privada de sentido merece ser vivida porque podemos esquecer o que pesa e o que dói, podemos pô-lo de lado como o legume de que não gostamos na beira do prato e seguir em frente, sem pensar mais no legume, porque o legume não importa, ele continua na beira do prato mas o que interessa é o mundo que entretanto avança e nós que podemos avançar com ele. o fascínio de Sísifo é uma aprendizagem. hoje sei que não há pedra capaz de impedir-me o caminho, não há lugar escuro da noite que eu tema, não há homem que eu não possa impedir-me de amar. só isto é assombroso: viver na plena consciência do medo, sem vivermos subjugados.
Etiquetas: Albert Camus, miles to go before i sleep, os livros
posted by saturnine | 01:16 |
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