da vastidão por dentro:
I never saw a wild thing
sorry for itself.
A small bird will drop frozen dead from a bough
without ever having felt sorry for itself.
D. H. Lawrence
«Quando os patos bravos passam, na época das migrações, provocam curiosas marés nos territórios que dominam. Os patos domésticos, como que atraídos pelo grande voo trianular, dão princípio a um salto canhestro. O apelo selvagem veio despertar neles não sei que vestígio selvático. E lá temos os patos da quinta transormados por instantes em aves migradoras. (...)
O animal ignorava que o seu cérebro fosse suficientemente vasto para conter tantas maravilhas, mais ei-lo que bate as asas, despreza o grão, despreza os vermes e quer voltar a ser pato bravo.
Mas sobretudo revia as minhas gazelas: eu criei gazelas em Juby. Aí todos criámos gazelas. Encerrávamo-las, ao ar livre, num recinto de rede de arame porque as gazelas precisam de água corrente dos ventos e nada é tão frágil como elas. No entanto, apanhadas em pequeninas, lá vão vivendo e vêm tasquinhar à mão. Deixam-se afagar e mergulham o focinho húmido no fundo da palma da mão. Julgamo-las domesticadas. Julgamos tê-las posto a salvo do mal misterioso que extermina silenciosamente as gazelas dando-lhes a mais branda das mortes... Mas vem o dia em que as reencontrais de corninhos aplicados contra a vedação, na direcção do deserto. Estão enfeitiçadas. (...)
É a sazão dos amores, ou a simples necessidade dum grande galope de perder o fôlego? Elas não o sabem. Os seus olhos ainda se não haviam aberto quando vo-las apanharam. Ignoravam tudo, quer da liberdade das areias quer do odor do macho. Mas vós sois bem mais inteligentes que elas. O que elas buscam, vós o sabeis, é a vastidão que as completará. Querem torna-se gazelas e dançar a sua dança. A cento e trinta quilómetros hora, querem conhecer a fuga rectilínea, cortada de saltos bruscos, como se aqui e ali se escapassem labaredas de areia. (...)
A nostalgia é o anseio de não se sabe o quê... O objecto do anseio existe, mas não há palavras para o dizer.
E a nós o que é que nos falta?»
Terra dos Homens
Antoine de Saint-Exupéry
posted by saturnine | 13:48 |
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