poucos são os que compreendem. esta fractura por dentro, este desmoronamento no interior do corpo. mais do que a vertigem - a sensação de que se embate contra um muro de betão a 120 km / hora cada vez que as palavras rasgam o silêncio -, a vontade da vertigem.
acontece-me sobretudo quando conduzo à noite, se me permito distanciar-me do que vejo um só momento, e de súbito me encontro num outro lugar qualquer. sinto que os meus sentidos se diluem, não há nada de mim a que possa agarrar-me. à minha frente, só a grande estrada negra, um abismo para o qual me precipito desenfreada. algo em mim urge no encontro com a parede de betão. algo em mim, encarcerado nos corredores do medo, me desapropria da margem de sossego que me permite o equilíbrio dos dias. sou lançada a 120 km / hora contra o muro dos meus medos.
sei como é o ruído da morte a aproximar-se, é o som de chapa a bater, o som de vidros a partir, o corpo em tensão aflita, e depois o silêncio total, que lentamente golpeia o interior do peito na ausência de explicações. conheço esse ruído por dentro, e tal como ver o mundo faz pertencê-lo um pouco aos nossos olhos, assim também esse ruído horroroso se fez pele da minha pele.
e ninguém sabe, ninguém suspeita, como me fascina esse ruído, como em cada metro de estrada que percorro o revivo e reinvento, e como há uma parte de mim que deseja e se precipita para o desastre, só pela adrenalina de ouvir os mesmos sons e sentir os mesmos medos.
digo eu que é isto o limiar da loucura, é esta a linha fina que nos separa de qualquer coisa que não sei nomear. e não é vontade de morte, é absurdamente fácil pensar no fascínio como um desejo de morrer. digo eu, e garanto, que é precisamente o contrário, uma insuportável vontade de viver que nos leva assim a esta aproximação dos limites, a um desafio da vida no descontrolo da velocidade. porque nada basta. já dizia Nigel Charnock, too much is not enough. mais não sei explicar, foi aliás a Cláudia que me permitiu a imagem da parede de betão contra a qual imaginariamente me despenho. sem saber porquê, sem conhecer de mim outra coisa senão esta vontade absurda de estar próxima da queda, saber que se pode cair, e depois ainda assim deter-me, resistir, prosseguir através dos dias com o mesmo equilíbrio precário que me faz ter a certeza que habito um mundo que não foi feito à minha medida.
Etiquetas: a noite, do medo, fruto saturnino (conhecimento do inferno), miles to go before i sleep
posted by saturnine | 01:13 |
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