carta a um amigo habitual #2
É ver-te a dois milímetros na escada rolante e não poder cair contigo. Desmaiar com o teu perfume que me faz cócegas na alma, caíndo de olhos fechados para trás, onde tu me apanhas com aquele sorriso de "eu disse-te!". É ter uma mesa de café entre nós e todo o espaço do mundo ali em cima. Mãos que tremem, percebes? Poderíamos ter escrito as histórias todas, inventado todos os dramas, e no entanto apenas passeamos entre os carros, no pó da aridez do Verão. Tirar os óculos, ter cuidado com a saia, lembras-te? Depois novamente um sorriso (esse tão silencioso) pelo equilíbrio tão precário dos saltos altos. Estava o mar lá ao fundo, agora que me lembro disso.
Era o mar no qual nunca mergulhei, e estava ali pertinho a ver-nos como nos viram antes aquelas noites frias de Inverno. A claridade lunar ampla e livre a envolver-te o rosto - e aí sim, souber ler qualquer coisa sobre o amor. Novamente o mar do lado de lá, e uma ponte. A ponte da qual gostava de ter caído. E o mais terno dos ventos fortes à porta do centro comercial. Onde tremo ainda hoje, onde sinto mais frio, antes um segundo apenas de entrar e te ver novamente nas escadas rolantes, depois a escolher CD's que me queres mostrar, mas que acabaram por ficar sempre esquecidos num espaço qualquer que não partilhamos. Mas o amor foi isso. O que ficou por ser. A perfeição encontro-a no que não me deste. E assim, tenho um amor-perfeito roxo no bolso, um exorcismo imperfeito deste amor que morre - se tanto adormece -, uma espécie de eco de uma série de desenhos vivos que guardei para ti. Ah, sim, é verdade... Não te esqueças da mão que construí. A mão com o torpor vermelho da entrega. Para que te pudesse reacender, como me acendias sempre os cigarros. Está escuro aí dentro, amor? Tens frio? Nunca soube como terminar cartas.
A tua A.»
Etiquetas: correio sentimental, fruta esquisita menina aflita
posted by saturnine | 16:17 |
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