Entre ir e ficar duvida o dia,
enamorado de sua transparência.
A tarde circular é já baía:
em seu quieto vaivém se mexe o mundo.
Tudo é visível e tudo é efusivo,
tudo está perto e tudo é intocável.
Os papéis, o livro, o copo, o lápis
repousa à sombra de seus nomes.
Bater do tempo que em minha têmpora repete
a mesma teimosa sílaba de sangue.
A luz faz do muro indiferente
um espectral teatro de reflexos.
No centro de um olho me descubro;
não me olha, me olho em seu olhar.
Dissipa-se o instante. Sem me mover,
eu fico e me vou: sou uma pausa
Entre ir e ficar | Octavio Paz
Os animais foram
imperfeitos,
compridos de rabo, tristes
de cabeça.
Pouco a pouco se foram
compondo,
fazendo-se paisagem,
adquirindo pintas, graça, vôo.
O gato,
só o gato
apareceu completo
e orgulhoso:
nasceu completamente terminado,
anda sozinho e sabe o que quer. (...)
Ode ao gato | Pablo Neruda
Minha menina se foi ao mar
a contar ondas e pedrinhas,
porém se encontrou, de pronto,
com o rio de Sevilha.
Entre adelfas e sinos
cinco barcos se mexiam,
com os remos na água
e as velas na brisa.
Quem olha dentro a torre
adornada de Sevilha?
Cinco vozes contestavam
redondas como anéis.
O céu monta elegante
ao rio, de margem a margem.
No ar cor-de-rosa,
cinco anéis se mexiam.
Minha menina se foi ao mar | Frederico garcía Lorca
Com tal veemência o vento
vem do mar, que seus sons
elementares contagiam
o silêncio da noite.
Só em tua cama o escutas
insistente nos cristais
tocar, chorando e chamando
como perdido sem ninguém.
Porém não é ele quem em desvelo
Tem-te, senão outra força
de que teu corpo é hoje prisão,
foi vento livre, e recorda.
O vento e a alma | Luís Cernuda
Nem treva nem caos. A treva
Requer olhos que vêem, como o som.
E o silêncio requer o ouvido,
O espelho, a forma que o povoa.
Nem o espaço nem o tempo. Nem sequer
Uma divindade que premedita
O silêncio anterior à primeira
Noite do tempo, que será infinita.
O grande rio de Heráclito o Escuro
Seu irrevogável curso não há empreendido,
Que do passado flui para o futuro,
Que do esquecimento flui para o esquecimento.
Algo que já padece. Algo que implora.
Depois a história universal. Agora.
Cosmogonia | Jorge Luís Borges
Etiquetas: poesia
posted by saturnine | 21:30 |
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