«Naquela noite sonhou que tinha voltado à torre.
A sua torre.
Não sabia localizá-la. No fim de um caminho entre rochas escarpadas (onde cresciam flores brancas), atrás de uma povoação fantasma varrida pelo vento, ou vagamente confundida com uma casa em ruínas onde entrava o nevoeiro.
Estivera lá muitas vezes, ao longo dos anos, sempre com aquela sensação de reconhecimento, de “voltar”. Mas nunca trouxera a sua imagem para a vida acordada, era um local nocturno, de um outro mundo.
A torre era de pedra, com aberturas irregulares por onde se viam as rochas e o mar. Tinha a vaga ideia de já ter descido as escadas, de ter mergulhado em pântanos e silêncio.
Mas era a primeira vez que se lembrava da torre ao despertar... O mesmo não acontecera com a livraria, a livraria escura que fiava numa cave em ruas que existiam de facto, e onde encontrara livros impossíveis de Richmal Crompton, John Dikinson Carr e mais recentemente de Iris Murdoch.
Abriu os olhos e percebeu que o sol entrava pela janela. Talvez por isso, não esquecera nada; agora tinha sempre estes sonhos estranhos ao amanhecer.
Era como se a casa fosse um poço, um espaço onde só se podia cair. Começara a vaguear mais fundo dentro de si mesmo, tão fundo como nunca estivera, e as imagens misturavam-se na superfície com os primeiros raios de Sol.
Tudo faria sentido se tivesse vivido naquele lugar em criança. Então seria uma história, poderia fantasiar que o menino que percorrera os quartos escuros sonhava dentro dele.
Mas nunca estivera lá, antes aquele dia de Outono em que parara o automóvel junto ao portão de madeira e olhara com encantamento a velha casa de pedra, quase submersa no jardim imenso, inimaginável. (...)»
Ana Teresa Pereira | A Noite Mais Escura da Alma
Etiquetas: Ana Teresa Pereira, os livros
posted by saturnine | 11:37 |
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